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Os pecados da civilização: o homem, a natureza e a cultura

Por:   •  18/10/2018  •  4.744 Palavras (19 Páginas)  •  262 Visualizações

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Uma pista nos é sugerida por Freud para pensar esta questão. A direção apontada pela interpretação freudiana acerca das ações do homem sobre a natureza é formulada em termos da expressão de uma inteligência superior. Sendo assim nos informa Freud[1],

...embora os caminhos e desvios (traçados pelo homem neste empreendimento), sejam difíceis de acompanhar, há nisso uma ordem em direção ao melhor. Sobre cada um de nós vela uma Providência benevolente que só aparentemente é severa e que não permitirá que nos tornemos um joguete das forças poderosas e impiedosas da natureza.

São duas posições distintas: a que indica a relação do homem com a natureza sugere uma perda, e a que dimensiona a relação do homem consigo mesmo pode ser traduzida como uma espécie de perdição qualquer. No entanto, o homem encontra-se perdido “de uma perdição que tem em si seu próprio artífice”[2].

Perda por um lado, perdição por outro. Como enfrentar e solucionar esses impasses? Este é um dos pontos indispensáveis para se pensar a trajetória do homem fazendo uma história. Desde os tempos mais remotos até a atualidade, a história da existência do homem é, sem dúvida, a história de uma travessia marcada, principalmente, pela constante necessidade do homem dominar a natureza e dominar-se. Isto quer dizer que sua intenção e seu firme propósito era e ainda continua sendo, produzir conhecimentos visando utilizar-se dos mesmos, num grau mais elevado, para conhecer e transformar a natureza. Difícil tarefa de decifração marcada por obstáculos intransponíveis!

Como retratam, insistentemente, os pensadores interpelados por essa questão, no transcorrer das séculos, tudo o que foi feito pelo homem, representou muito pouco em relação à possibilidade de decifração dos enigmas da natureza. E sabemos que o homem fez de tudo, ou melhor, fez tudo o que estava ao seu alcance. Todo seu esforço, ao invés de apaziguar sua condição de perdição, veio, cada vez mais, acentuá-la. Ou seja, toda a realização humana, mesmo no projeto de super-homem, não foi suficiente para aplacar o efeito de esmagamento diante do horror que advém da impossibilidade de o homem organizar a natureza de acordo com suas pretensões. Como nos mostra Freud[3],

Nunca dominaremos completamente a natureza, e o nosso organismo corporal, ele mesmo parte dessa natureza, permanecerá sempre como uma estrutura passageira, com limitada capacidade de adaptações e realização.

O poder superior da natureza e a fragilidade do corpo são fontes de sofrimento que submetem o sujeito ao inevitável.

Pelo fato de não dispor de um recurso ordenador para as coisas da natureza, o homem é constantemente convocado para ocupar um lugar do qual não pode mais se esquivar, tanto no que concerne a sua complexidade, quanto em se tratando da obscuridade da natureza.

Como não pôde viver fora da natureza e como não pôde evitar este terrível “inimigo”, o homem teve que se dedicar e se curvar à natureza, até mesmo pelo temor de não ser nada fora dela. Canguilhem nos convoca a pensar sobre o assunto, (e quanto a isso não há dúvida de que devemos nos apropriar de suas palavras), ao afirmar que, na relação do homem com a natureza, não se encontra qualquer coisa que seja da ordem de uma harmonia. Certamente, “se sentimos, porém, a necessidade de nos tranquilizarmos é porque uma angústia pesa sobre nosso pensamento”.[4] É nessa direção que entendemos o aspecto díspar nesse encontro sempre difícil do homem com esse excesso da natureza que lhe pesa, sendo um excesso sempre presente. Assim temos de admitir que esse inevitável fez com que o homem travasse com a natureza um verdadeiro combate, mesmo sabendo, sem querer jamais crer nisso de antemão, que para tal batalha não haverá vencedor: o homem sempre será humano e a natureza sempre conservará algo nos seus recônditos na condição selvagem. Talvez pelo fato de que como nos diria Kant: “a simplicidade e parcimônia da natureza exigem do homem e formam nele apenas conceitos comuns e uma rude probidade”[5]. Trata-se de uma simplicidade que é colocada como uma exigência constante para que o homem venha produzir conceitos sobre o insondável que se encontra tão próximo e tão distante.

Considerando toda a transformação decorrente da ação humana essa forma de apresentação da natureza obriga o homem a se posicionar, de maneira crítica, frente àquilo que escapa à palavra e ao conhecimento. Embora saibamos que a ação técnica do homem teve e tem uma repercussão significativa na natureza, sabemos também que muita coisa resta a ser feito. Não obstante, como assinala Freud: “..a humanidade efetuou um progresso extraordinário nas ciências naturais e em sua aplicação técnica, estabelecendo seu controle sobre a natureza de uma maneira jamais imaginada.[6]

Evidentemente trata-se de uma tarefa ainda inacabada, mesmo que o avanço pela transformação decorrente da aplicação de técnica seja considerável e, como é evidente, não se pode negar suas consequências. Mas mesmo assim, o enigma se mantém. Por isso ao homem resta, tão somente, deter-se na produção de saber, na esperança de que, um dia, possa solucionar essa sua inquietante relação com a natureza, da qual sempre irrompe angústia. Isso porque esse insondável insinua-se, quase sempre, de maneira silenciosa, de forma imprevisível e surpreendente.

Enveredar por esta linha de raciocínio é deparar-se com uma questão fundamental: a natureza impõe ao pensar humano um limite intransponível, um impossível ao qual o conhecimento é insuficiente para dar cobertura, até mesmo na sua forma mais sofisticada. Mas, que impossível é esse? A que se deve sua existência? Porque se mantém, assim, inabalável?

Alguma causa tem que ser pensada para explicar a permanência desse impossível. Seria uma necessidade do homem? Caso o fosse, para que fim? Ou, trata-se do natural na natureza? Do que sabemos, pouco podemos fazer, pois quanto mais 0 homem tem produzido, mais esse impossível se solidifica. Evoquemos então o esforço humano não para superar esse impossível, mas para circundá-lo. Sabemos que o conhecimento restringe-se somente àquilo que é dado ao homem pela linguagem. Na medida em que esse impossível situa-se num para-além da linguagem, então resta-nos apenas tentar apontá-lo. Possivelmente, esse impossível tangencia o chamado muro da linguagem. Temos assim, um indizível, na forma de insondável, de indiscernível, de indecifrável e de incognoscível.

Da mesma maneira que esse para-além tangencia o muro da linguagem, o conhecimento produzido pelo homem apenas se aproxima

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