FISIOLOGIA E PATOLOGIA DA DOR
Por: Juliana2017 • 30/3/2018 • 9.090 Palavras (37 Páginas) • 395 Visualizações
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Evidentemente, o problema da dor cai também no âmbito filosófico, psicológico e teológico. Aristóteles equiparava a dor a coisa desagradável, quer de origem externa, quer de origem interna em relação ao corpo, originando-se na própria alma, segundo ele, como quando o indivíduo se sente "miserável". Para Spinoza a dor era uma forma localizada, focal, de tristeza; uma emoção oposta ao prazer e que surge quando uma das partes do corpo é mais afetada do que outras. Cientificamente, a palavra dor tem a significação dada por Spinoza no que implica em sentimento desagradável, especificamente referido a algum lugar ou a lugares do corpo.
O psicólogo considera a dor como um fenômeno psíquico determinado por um estímulo, com um componente afetivo desagradável e uma reação motora de atenção e repulsa. Sherrington definia dor como "o componente psicológico de um imperativo reflexo de proteção".
A sensação e a percepção da dor na escala animal provavelmente antecedem a espécie humana mas não há dúvida de que a essência e o sentido da dor unicamente se podem investigar a fundo no homem. Na classificação Relatório apresentado como contribuição ao tema "Algias", discutido no 1º Congresso Brasileiro de Neurologia (Ribeirão Preto, SP, de 26 a 31 de julho de 1964).
* Professor de Fisiologia na Faculdade de Medicina de Ribeirão Prêto, SP — Brasil.
Nota do autor — Parte dos meus trabalhos citados neste relatório foi feita mediante doações concedidas pelo Departamento Científico da Fôrça Aérea Norte
Americana.
sherringtoniana dos sentidos a dor foi catalogada como nociceptiva, isto é, "sensível a estímulos nocivos". Enquanto que a função das outras modalidades sensoriais é informativa ou gnósica, a dor é de proteção; o reflexo de flexão em resposta a um beliscão, um golpe ou o contato com um objeto quente, previne a lesão da zona atingida. O estabelecimento de reflexos condicionados pela associação da dor com outros estímulos determina uma reação de escape. A obstrução coronária é causa da angina de peito devida à diminuição da irrigação sanguínea; a dor consequente faz que o paciente se detenha e descanse e, assim, proteja o coração enfermo das consequências da hiperatividade. Outra diferença é a de que a dor é desagradável, ou seja, possui forte componente emotivo que sói ser um ponto de ataque para, diminuindo-o, controlar a dor. Algumas drogas analgésicas parecem ser eficazes principalmente porque reduzem essa reação afetiva; a lobotomia frontal, quando bem sucedida, parece reduzir o componente emocional da dor sem alterar a percepção dolorosa.
FISIOLOGÍA
Do ponto de vista estritamente fisiológico a problemática da dor envolve estímulos e receptores, vias, estruturas do sistema nervoso central, percepção dolorosa, reações motoras e neurovegetativas.
O esquema geral de funcionamento de toda sensação é o seguinte: um receptor mais ou menos específico, atuando como transdutor, transforma a energia que chega a êle (estímulo) em energia elétrica (impulso nervoso), o qual, por vias específicas, chega ao tálamo (com exceção dos estímulos olfatórios), onde fazem relé e de onde se projetam a zonas mais ou menos específicas do córtex cerebral. Todas as vias da sensibilidade dão aferências à formação reticular, que controla o processo neurofisiológico da sensação desde seu ponto de partida, ao nível dos receptores, até seu ponto de chegada no córtex. À chegada dos impulsos às estruturas centrais seguem-se a percepção consciente e, depois, as reações motoras, somáticas e vegetativas, do organismo.
Os receptores à dor distribuem-se praticamente em todos os tecidos do corpo e, de acordo com sua localização, dão origem a duas classes de dor: somática e visceral. A dor somática compreende a superficial (ou cutânea) e a profunda (originada em músculos, tendões, articulações e faciais).
Os receptores à dor se constituem de terminações nervosas que, diferindo dos demais receptores, não são especializadas para receber estímulos específicos, uma vez que podem ser estimuladas por qualquer agente nocivo para os tecidos. Assim, a dor pode ser provocada por pressões excessivas, pela ação cáustica de agentes químicos, pela temperatura acima de 45°C ou pelo frio intenso; o limiar para esses estímulos é elevado para provocar dor, por isso que correntemente provocam outro tipo de sensação. Hardy e col. (1951) provaram esse fato para o estímulo térmico; quando se aumenta paulatinamente a temperatura, primeiro são estimulados os receptores para o calor mas, quando se chega a 44,9°C, começam a estimular-se os receptores para a dor (fig. 1). Entre 44 e 45°C a pele é lesada irreversivelmente, havendo liberação de substâncias tais como a histamina e, talvez, bradicinina.
O conceito de que substâncias liberadas no local da lesão estimulam as terminações nervosas e provocam dor é apoiado experimentalmente desde os trabalhos de Lewis (1942). Usando o método de provocação de bolhas por cantaridina ou calor, remoção da película que as recobre e aplicação de várias substâncias sôbre a área exposta, observou-se que três drogas podem provocar dor: aceticolina na concentração de 10-5 g/ml; 5-hidroxitriptamina (serotonina) na concentração de 10-8 g/ml; e bradicinina bovina na concentração de 10-5 g/ml.
Que existem terminações específicas para a dor foi comprovado pelos seguintes fatos: ausência de sensibilidade para a dor em certas áreas que são sensíveis a outras modalidades sensoriais como, por exemplo, a metade inferior da úvula e uma pequena área na face interna da bochecha, à altura do segundo molar inferior; supressão da dor por aplicação local de certas drogas (cocaína, por exemplo) sem alteração concomitante de outras sensações; ausência de toda sensibilidade, exceto a dolorosa, às margens de uma área cutânea desnervada.
Uma vez originado ao nível receptor, o potencial de ação percorre, como impulso nervoso, as vias específicas até o córtex cerebral, onde a diferente distribuição dessas vias é fator importante na determinação da qualidade da sensação. As fibras sensitivas dos mamíferos que compõem as raízes posteriores espinais pertencem a dois grupos de fibras nervosas: 1) grupo A, com diâmetros entre 1 e 20 μ e velocidade de condução entre 5 e 120 m/s sendo as fibras mielínicas subdivididas em alfa, beta, gama e delta (fig. 2); 2) grupo C, de fibras amielínicas, com diâmetro de 2 μ ou menos e velocidade de
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