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Vidas em crise: a luta pela liberação do uso medicinal da maconha diante da visão constitucional

Por:   •  22/9/2018  •  2.332 Palavras (10 Páginas)  •  330 Visualizações

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O debate realmente tomou dimensões maiores quando todo o país tomou conhecimento de um caso específico por meio da mídia televisiva. Uma garotinha portadora de patologia muito rara, apresentando quadro clínico com distúrbio psicomotor decorrente de uma patologia cerebral e que, dentre os sintomas, tinha crises convulsivas resistentes a todas as medicações possíveis no país, apresentou melhora significativa somente com um remédio, mas que é ilegal no Brasil, porque é derivado da maconha. O caso obrigou os pais da menina a importarem a medicação, mesmo que isso caracterizasse tráfico. Pouco tempo após a exibição da reportagem os pais da menina entraram na justiça e conseguiram decisão favorável a importação do medicamento. No entanto, nem tudo é tão simples. Existem diversos casos de mesmo cunho, que agora procuram abrigar-se na justiça, mas que são freados pelos trâmites processuais e pelo caráter individual de cada decisão. Importante ressaltar que são de casos de extrema urgência.

A luta social pela liberação do CBD esbarra também no preconceito em relação a origem da substância. É inegável o peso que o termo “maconha” carrega consigo, maior parte da população brasileira, cerca de 55%, se mostra contrária a importação do medicamento pelo fato de ser originário da maconha. Grande maioria ainda é leiga no assunto.

O papel do judiciário no tema é de extrema importância. Diante disso, o caráter das decisões vem dando suporte aos que recorreram a estas vias, pressionando os demais órgãos competentes a tomarem decisões rápidas e coerentes. Como exemplo, pode ser citada a recente decisão do Desembargador do estado do Piauí, Brandão de Carvalho, que deferiu liminar para o uso terapêutico do Canabidiol. Em sua decisão, o eminente Desembargador disse que não se está a apreciar a utilização da cannabis sativa (maconha) como fonte terapêutica, mas tão somente um de seus componentes, o Canabidiol, que, segundo os estudos científicos, é capaz de aliviar o sofrimento dos pacientes que dele necessitam, já tendo sido constatada a ausência de toxicidade e que apresenta boa tolerabilidade o elemento componente da medicação. O Desembargador Brandão de Carvalho ainda frisou que recentemente o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo editou a Resolução nº 268, de 07/10/2014, que regulamenta o uso do canabidiol nas epilepsias mioclônicas graves do lactente e da infância, refratárias a tratamentos convencionais.

Ainda a nível exemplificativo, no dia 28 de Novembro de 2014 a Justiça Federal da Paraíba proferiu sentença favorável à importação do canabidiol para tratamento de pacientes convulsivos paraibanos. O juiz João Bosco Medeiros, ao fundamentar a decisão, compreendeu que a ANVISA não desconstituiu devidamente a argumentação do MPF e que a União não produziu prova de que os medicamentos não possam favorecer terapeuticamente quem precisa deles. Segundo o juiz, a relutância das rés à importação e a ministração do canabidiol não tem fundamentação. Para o mesmo, não faz sentido impedir que os pacientes possam ganhar melhores condições de saúde unicamente porque a ANVISA e União debatem interminavelmente sobre a ‘conveniência’, ou não, da liberação da substância medicamentosa, deixando os cidadãos reféns da burocracia estatal, de tal modo que a “exacerbação do 'poder de polícia sanitária no tocante às importações', da ré ANVISA, lamentavelmente compatível com o estado-policial em que o Brasil vem se transformando, não pode chegar ao extremo de colocar em risco a vida/saúde da população”.

Diante desse quadro de aceitação, já tentando evitar mais investidas à justiça, a ANVISA liberou o importação do canabidiol. De acordo com os dados mais recentes, foram recebidos, desde abril de 2014, 223 processos de importação de CBD. Deste número, 184 foram autorizados, 14 aguardam o cumprimento de exigência pelos interessados e oito estão em análise pela área técnica. O que parece solução volta novamente a ser problema. Apesar da autorização, o trâmite da Receita Federal toma mais tempo, dinheiro e paciência das pessoas. Como o CBD não é reconhecido como medicamento pela legislação brasileira e, no exterior, o registro dele é de suplemento alimentar, as famílias precisam pagar os impostos de importação, ou custear o serviço de despacho ou a viagem para retirar pessoalmente o pacote. Não é exagero nenhum presumir que logo as vias jurídicas serão acionadas novamente para solucionar os casos que dizem respeito ao tema.

O processo para conseguir autorização da justiça ou a dificuldade da liberação por meio das autoridades sanitárias para a importação do produto, entre elas a prescrição médica, fez com que muitas famílias, desesperadas pelo sofrimento causado, procurassem o produto por meios de aquisição clandestinos a fim de aliviarem a dor recorrente, nesse caso, procurar, ainda que “ilegalmente”, a solução medicamentosa para o tratamento e a melhoria de sua patologia, por não possuir outro meio, haja vista a urgência da necessidade, não deve se constituir ilicitude, analisando segundo o principio supralegal da justiça e da razoabilidade. Pois se trata de uma alternativa desesperada em proteger a vida, em seu sentido mais complexo, do paciente que sofre dia após dia os revezes da doença.

Segundo o professor e pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Elisaldo Carlini, o efeito positivo do canabidiol é reconhecido há pelo menos 20 anos em países como Estados Unidos, Canadá e também no Reino Unido e há mais de 50 anos ele acompanha pesquisas com canabinoides. “Por que é tão difícil conseguir um medicamento que há 20 anos muitos países já estão utilizando, muitos laboratórios já estão produzindo?”, questionou o professor, que foi duas vezes presidente da ANVISA. Ainda de acordo com o mesmo, a proibição da utilização medicinal do canabidiol tem atrapalhado também a evolução das pesquisas científicas no país.

CONCLUSÃO E REFLEXÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL

O Estado possui a tutela sobre a vida dos indivíduos e por essa razão deve prezar pela manutenção - conforme o artigo 1º da Constituição Federal, em seu inciso III - da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado Constitucional Democrático. Tem-se, também, a saúde, como direito social do indivíduo, razão pela qual o Estado, avistando que o uso do canabidiol surte efeito benéfico na vida dos pacientes que sofrem determinadas enfermidades, deve compreender que impedir do seu uso, comprovadamente eficaz e quando todos os outros meios regulamentados já falharam, se constitui uma contradição

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