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O NASCIMENTO DO SABER CIENTIFICO

Por:   •  24/4/2018  •  2.937 Palavras (12 Páginas)  •  415 Visualizações

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- A INTUIÇÃO

Um saber desse modo construído é aceito assim que uma primeira compreensão vem à mente. Assim, da observação que o sol nasce todos os dias de um lado da Terra e se põe do outro, o homem pensou, por muito tempo, que o sol girava em torno da Terra. Essa compreensão do fenômeno pareceu satisfatória durante séculos, sem mais provas do que a simples observação.

Em nossa linguagem de hoje, chamam-se tais explicações espontâneas de “simples bom-senso”. Ora, o senso comum é, com frequência, enganador. Acreditar que o sol gira em torno da Terra é uma ilustração patente disso. O bom senso faz-nos dizer muitas outras desse gênero. Quem, por exemplo, não ouviu a declaração de que os diplomados são “desempregados instruídos”, ao passo que a taxa de desemprego é inversamente proporcional ao nível de escolaridade; ou que os segurados sociais “são preguiçosos”, a despeito da consideração das condições reais do emprego; ou que as mulheres são menos capazes de raciocinar matematicamente que os homens, enquanto que, feitas as verificações, não é nada disso. Poder-se-ia multiplicar os exemplos dessas compreensões rápidas vindas do senso comum, ou seja, dos saberes originários de observações imediatas e sumarias da realidade.

O senso comum não deixa de produzir saberes que, como os demais, servem para a compreensão de nosso mundo e de nossa sociedade, e para nela viver com o auxilio de explicações, uma vez que podem ser um obstáculo à construção do saber adequado, pois seu caráter aparente de evidencia reduz a vontade de verifica-lo. É, alias provavelmente o que lhes permite, muitas vezes, serem aceitas apesar de suas lacunas. Desse modo, em nossa sociedade, não se aceitam igualmente os ditados “diga-me com quem andas e te direi quem és” e “Os opostos se atraem”, ou até “Tal pai, tal filho” e “Pai avarento, filho pródigo”, mesmo se tais ditados se contradigam?

- A TRADIÇÃO

Resta que, quando tais explicações parecem suficientes, deseja-se divulga-las, compartilhá-las. É desse modo que se elabora a tradição, princípio de transmissão de tal saber.

Na família, na comunidade em diversas escalas, a tradição lega saber que parece útil a todos e que se julga adequado conhecer para conduzir sua vida. Esse saber é mantido por ser presumidamente verdadeiro hoje em dia, e o é hoje porque o era no passado e deveria assim permanecer, pensa se no futuro. A tradição dita o que se deve conhecer, compreender, e indica, por consequência, como se comportar. Diz, por exemplo, qual é o melhor momento para semear o campo, para lançar sua rede; ensinam quais são as regras básicas de convivência, como curar ou tal ou tal doença; pode chegar a desaconselhar a ingestão de leite com manga, como em algumas regiões do Brasil, ou afirmar quem um dente de alho acaba com a gripe...

Os saberes que a tradição transmite parecem às vezes não se basearam em qualquer dado de experiência racionalizada. Assim, transmite-se, em uma sociedade como a nossa, a superstição de quem o número 13 traz azar – a ponto de, em certos hotéis ou edifícios públicos, não ser contado o décimo terceiro andar! Mas em relação a outras crenças do gênero, pode-se suspeitar da validade da experiência. Assim, acreditar que passar sob uma escada dá azar vem provavelmente de infelizes experiências reais (pode-se imaginá-las facilmente!). Do mesmo modo, bem antes de se dispor dos conhecimentos trazidos pela ciência moderna sobre as consequências do incesto e dos casamentos consanguíneos, a tradição proibia essas praticas na maioria das sociedades: pode-se supor que a observação de suas consequências teria oportunizado um saber espontâneo.

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- A AUTORIDADE

Com frequência, sem provas metodicamente elaboradas, autoridades se encarregam da transmissão da tradição. Desse modo, a Igreja Católica decidiu, muito cedo, regras para o casamento (uniões proibidas entre primos, proclamas, declarações de impedimentos conhecidos) tendo como objetivo prevenir as uniões incestuosas e inclusive consanguíneas. Impõe sua autoridade aos fiéis por meio dos preceitos ensinados pelo clero. Todas as religiões transmitem, portanto, sua autoridade através de saberes que guiam a vida de seus fiéis; sem que seu sentido ou origem sejam sempre evidentes. Não deixam de ter um sentido ou uma origem. Assim, por exemplo, a proibição de comer carne de porco entre os muçulmanos provém provavelmente do desejo de proteger a triquinose, doença provocada por um parasita que se encontra, muitas vezes, no suíno e da qual não se sabia exatamente como se preservar em determinada época. Mas, atualmente, o crente que respeita o preceito conhece sua origem? Tal saber, do qual se encarregam as autoridades, guarda, assim, para aqueles que o recebem, seu caráter de saber espontâneo.

Sua força deve-se ao fato de que nem todos podem construir um saber espontâneo, sobretudo o que seria útil conhecer. Daí a comodidade, para conduzir sua vida, de um repertorio de saber pronto. Daí também, em contrapartida, o peso que possuem as autoridades (padres, médicos, bruxos, dirigentes, pais, professores, etc.) que o transmitem e as instituições (igrejas, escolas, etc.) que servem de quadro a transmitir.

- A ESCOLA, A TRADIÇÃO E A AUTORIDADE.

O principal modo de transmissão do saber, na intuição escolar, assemelha-se, ao mesmo tempo, ao da tradição e ao da autoridade. Autoridades escolheram o saber que parece útil ou necessário a transmitir aos membros da sociedade, saber já construído oferecido aos estudantes, sem que esses sejam convidados a determinar o sentido e os limites de cada um deles. Desse modo, por exemplo, a escola ensina habitualmente apenas uma única interpretação de um fato histórico, mesmo podendo haver várias. É que a interpretação escolhida pareceu preferível às autoridades responsáveis pelo sistema escolar ou por aqueles que nele interveem por diversas razões.

Esse saber não é, entretanto, saber espontâneo. Pelo contrário, a maioria foi construída a partir de reflexões elaboradas e resulta, com frequência, de operações metódicas de pesquisa. Mas somente determinados resultados das pesquisas são ensinados, escolhidos como são os saberes transmitidos pela tradição.

No entanto, a escola tem por missão ensinar, além disso, o modo de construção do saber, de modo que os estudantes também aprendam os princípios

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