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Jornada Foucault 2013

Por:   •  12/4/2018  •  4.509 Palavras (19 Páginas)  •  269 Visualizações

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Dessa forma, sob o brasão “O Gigante Acordou”, o País viveu picos de maiores momentos de manifestação social desde o movimento “Os Caras Pintadas” que reivindicavam o impeachment do então presidente Collor[2]. Foi uma verdadeira reviravolta no país que se encontrava em momento econômico difícil, às vésperas de sediar uma Copa do Mundo – e posteriormente, olimpíadas mundiais, e escândalos de corrupção envolvendo atores políticos. Nesse contexto, a sociedade parece ressurgir através dos manifestantes a fim de tomar ou reaver seu lócus que parecia perdido dentro de real detentora do poder, no chamado Estado Democrático de Direito.

Mas, em conjunto com as manifestações e manifestantes, outra protagonista surgiu de forma rápida e brusca, uma que havia saído de cena ainda recentemente na história do país (ou, ao menos, em tese) na política: a polícia, que parecia preparada, antes mesmo das manifestações mostrarem sua cara, reagindo de forma violenta a tais ações, reprimindo e desarticulando seus atores. Foi possível verificar que ainda em no primeiro protesto, houve repressão aos movimentos[3], bem como, posteriormente, evoluiu-se na tentativa de desarticulação dos mesmos.

Ora, com o avançar dos movimentos, bem como da adesão populacional e a crescente massa que passou a integrá-los, as ações policiais também foram intensificadas[4], o que veio acompanhado da reação da mídia, a qual foi enfática sobre os efeitos devastadores que os protestos começaram a causar nas cidades, apontando suas marcas como atos de vandalismos, praticados pelos participantes dos protestos[5].

Assim, começaram a ser veiculadas, na mídia convencional, diversas notícias referentes aos atos cometidos pelos manifestantes, identificando-os como jovens de caráter questionável, condutas desviantes, inclinados à violência, ou seja, praticamente delinquentes. Em especial os jovens passaram a ser mais monitorados e ter seus perfis investigados, com desenvolvimento de ideias mirabolantes acerca de quem seriam as pessoas envolvidas nesse novo tipo de ato. Não demorou para os (pseudo)analistas de plantão desenvolverem “estudos”[6] e identificar o perfil do jovem protestante[7], traçando ideias de uma grande periculosidade em torno deles.

Às vésperas dos grandes eventos mundiais, aos quais o Brasil iria sediar, não se poderia abrir mão da segurança do país e comprometer os grandes empreendimentos em razão de “jovens arruaceiros” organizando “bardernas”, seria necessário, portanto, uma intervenção maior do Estado com força e violência para conter o risco em potencial que se avançava e ameaçava desestabilizar as relações de poder e de gerência populacional. Todavia, porque utilizar-se justamente do sistema criminal – tido como tão falho no país e cercado de críticas – para lidar com uma a questão?

- A concepção de biopolítica na compreensão da criminalização das manifestações.

Em uma importante parte de seus trabalhos, Foucault dedicou-se ao estudo das relações de poder e como essas são exercidas no funcionamento político estatal, especialmente como a governabilidade opera-se pelas instituições que atuam no cotidiano, tais como nos conventos, escolas, manicômios, etc. Nesse norte, especial atenção teve não só a prisão como punição, mas o sistema criminal como um todo, eis que através deste foi possível identificar uma série de operações realizadas para que haja gestão e controle populacional.

Assim, no que toca a forma como o Estado lidou com as jornadas de junho, mesmo que soubesse que a inicial repressão policial com grande violência, com a posterior criminalização dos manifestantes não seriam meios mais adequados para tratar o momento – em vista de uma realidade democrática, na esteira do pensamento foucaultiano, pode-se propor que, ainda assim, tais métodos teriam sido os utilizados. Isso porque eles manifestaram o poder de punir, o qual é importante instrumento de gestão das vidas, tendo-se como parâmetro a Biopolítica.

A biopolítica pode ser entendida, sinteticamente, como a apreensão da vida humana pelo poder político[8], de forma que, antes ignorado, o corpo em suas características “biofísicas” torna-se objeto de um saber, por meio do qual se exercerá o poder, assim, surgem mecanismos direcionados a “gerir” e “dominar” a vida[9].

Assim, nas análises de Foucault em relação à organização da soberania moderna, ele chegou à conclusão de que o Estado é sustentado tanto pelas estruturas centrais, quanto pelas operações de poder que atuam no cotidiano, com isso ele identificou o que seria a governabilidade, e a estas operações do cotidiano chamou de “microfísica do poder”, mecanismo que tornaria mais eficaz a prática da governabilidade por meio de um minucioso controle populacional, que passasse por várias instâncias de maior e menor grau na sociedade.

Visualiza-se, portanto, que tais mecanismos convergem para a atuação do poder nas mais diversas extensões sociais, multiplicando-se nas instituições, sejam elas estatais ou não, com o fim de reproduzir a ideia de normalização para o corpo social em forma de disciplina[10]. Desta forma, observar os “micropoderes”, através dos estudos das instâncias e figuras não centrais, era uma forma de compreender a função daqueles mecanismos como reprodutores de disciplina e normativização em seu contexto macro.

Primordial esta breve análise, pois apenas com a concepção da microfísica e biopolítica, torna-se possível entender a real utilidade das repressões às jornadas de junho de 2013, as quais refletiram, posteriormente nas manifestações ocorridas durante a copa do Mundo e em outras que ocorreram a partir de então.

Desta forma, é preciso ir além e compreender como mecanismos de poder podem ser utilizados valendo-se das prisões de alguns manifestantes, repressão de vários desses e construção de uma visão “inimigológica” destes através da imprensa midiática e propagação de ideias criminosas em torno deste.

Ora, inicialmente, o que ocorreu foi uma grande repressão policial como resposta às manifestações e a associação dos manifestantes à imagem dos chamados Black blocs – ligando-os a segmentos criminosos, todavia, fator ainda mais importante, é que, além das práticas que esta nova figura vinha cometendo, o pior era sua identidade: desconhecida.

É interessante notar que há toda uma forma de lidar no trato do delinquente comum, figura esta objeto maior das penas de prisão e já muito conhecida e gerida pelas práticas de relações de poder, pois, conforme exposto por Foucault,

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