Onde está a Felicidade? - Análise da obra de Camilo Castelo Branco
Por: SonSolimar • 10/4/2018 • 3.394 Palavras (14 Páginas) • 798 Visualizações
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“- Sonho uma imagem: não a encontrarei na face da terra.
– Que juízo faz das mulheres deste globo?
- Péssimo: mentira, matéria, venalidade, corrupção.”[3]
Num baile do barão em Carvalhosa, Guilherme tem o seu primeiro contacto com a alta sociedade. É cobiçado por diversas mulheres, e o seu estatuto de homem rico e misterioso faz com que se torne aprazível à maioria. Dá-se um rol de intrigas entre as mulheres, que disputam Guilherme como se de um pedaço de carne se tratasse. Não tarda que Guilherme as dispense.
“- Quero falar-te a respeito desse sujeito, que tu não tens largado esta noite.
- Que eu não tenho largado! (…)
- Nada de risotas. É preciso que saibas que tal homem não veio a minha casa para te dar um rendez-vous.
- (…) Queres tu dizer, Margarida, que o tal sujeito é teu namoro?
- Não sei se é, nem se não é.”[4]
Guilherme, nos bailes da alta sociedade que frequenta, conhece um jornalista que escreve folhetins de crítica social. Não é surpresa que o despreze pelos seus devaneios poéticos que considera duvidosos, mas é uma questão de tempo até que se tornem amigos. São figuras contrastantes. Guilherme toma conselhos do amigo que, apesar de toda a “loucura” inerente, é uma personagem excepcional: pela sua empatia, pela sua bondade e pelo seu entendimento do ser humano: tudo características que escasseiam a Guilherme. O jornalista entendia e sabia quem era Guilherme apesar das máscaras hipócritas e cínicas que este usava, fazendo questão de as arrancar sistematicamente. Esta figura permanece na vida de Guilherme até ao fim da obra, o que não deixa de ser curioso tendo em conta as diferenças de carácter colossais entre ambos.
Guilherme, a dada altura, decide mudar de ambiente e vai para o Porto. Ao ouvir gritos desesperados na Rua dos Arménios, acode a uma pobre jovem a quem a mãe lhe tinha morrido. Faz os possíveis por ajudar a jovem, aconselhando-a e dando-lhe dinheiro: “A menina vai para casa da sua vizinha. De manhã mandem dizer ao pároco que morreu esta mulher. Não sei se precisa de dinheiro: mas acho que sim. Acho lhe deixo com que possa suprir as suas precisões (…)”[5]
O capitalismo e a importância da posse de bens são recorrentes no romance, e este aspecto terá uma particular relevância na relação entre Guilherme e Augusta, a “pobre costureira de suspensórios” que conheceu na Rua dos Arménios[6]. Não tarda que Guilherme se apaixone por ela e a convença em tornar-se sua amante. A pureza e a ingenuidade de Augusta deixam Guilherme obcecado:
“A mulher simples, a frescura dos vinte anos com toda a seiva dos quinze, os lábios de rosa sem a máculo de um beijo, os olhos de uma ternura voluptuosa, como ela se mostra sem os atavios do fingimento, olhos de onde não caíra ainda uma lágrima sobre uma ilusão desvanecida.”[7]
Augusta deixa tudo o que conhece, nomeadamente o primo, Francisco, por quem nutria uma enorme ternura – primo este que sempre quis casar com ela – e muda-se para o Candal com Guilherme. A transformação de Augusta dá-se quase imediatamente. Não se pode deixar de pensar numa certa “robotização da mulher” ao analisar a personagem de Augusta no instante em que começa a viver com Guilherme. Augusta é facilmente manipulável tendo em conta a sua fragilidade, e perde a sua identidade ao mudar-se para o Candal. Guilherme dá a entender ao longo do romance que não há identidade que se valha se não for instruída, e posto isto, Augusta começa a aprender a ler e a tocar piano:
“- Esse anexim não é do bom tom; não o tornes a dizer.
- Que é anexim?
- É um dito do povo…. Tu já não és povo.
- Pois emenda todas as tolices que eu disser, sim?
- Amanhã de manhã tens aqui um mestre de primeiras letras; de tarde vem outro de piano: quero que estudes muito, sim?
- Todo o tempo que tu quiseres.” [8]
Esta dicotomia entre povo e burguesia está presente em todo o romance e é ponto fulcral para o entendimento da obra. Guilherme diz amar Augusta, mas obriga-a a moldar-se à sua própria figura. O amor não passa por aceitar as diferenças do parceiro? Porém estamos a falar de uma sociedade capitalista, onde o estatuto social e o dinheiro não coadunavam com o livre exercício do amor. E, mais do que tudo, não é claro que Guilherme estivesse realmente interessado num amor focado na genuinidade ou fora do espectro intelectual.
A dada altura o primo de Augusta, furioso por Guilherme ter furtado a sua prima, vai ao Candal e tenta matá-lo. As coisas não correm como o suposto, e Francisco acaba por se tentar suicidar, ficando no Candal em recobro. Dá-se uma grande mudança em Augusta depois deste episódio. Guilherme aborda a temática da melhor forma que sabia, embora faltando-lhe a sensibilidade e virtudes imprescindíveis que, infelizmente, o dinheiro não lhe trouxe:
“Tudo isso passou, Augusta… Teu primo está bom e feliz… Estes homens têm crises morais, que se não demoram muito. Falta-lhes a inteligência, que é a pedra onde se afia o gume da dor. Têm o trabalho como distracção, e as necessidades pequenas, todas satisfeitas, como recompensa…”[9]
Augusta não melhora da sua tristeza. Como melhorar, perante um homem que não compreendia os seus valores? Cujas únicas temáticas de interesse eram do foro intelectual, das paixões fogosas e do foro económico? Como entender uma alma não corrompida como a de Augusta?
Guilherme desinteressara-se. Aquando da chegada de uma prima, deixa Augusta à mercê da sua tristeza. Viaja para a Inglaterra, fazendo todos os esforços para casar com a prima que, claramente, não partilha o mesmo interesse.
A ingenuidade de Guilherme, ao achar que Augusta se contentaria com uma mesada e que viveria feliz no Candal sem ele é intrigante. Como pode um homem ridiculizar uma mulher pelo seu estatuto social desta forma, pensando que o dinheiro lhe apaziguaria todos os infortúnios?
“Porque não aceita ela os meios amplos, que lhe dou? Porque não vive rica de oiro, se lhe furtam as riquezas do coração? Porque não há-de ela, com o dinheiro do seu primeiro amante, resistir às
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