Mulheres no pos guerra e seus cabelos
Por: Kleber.Oliveira • 19/9/2017 • 14.931 Palavras (60 Páginas) • 601 Visualizações
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Primeiramente, para compreender a mulher em São Paulo ente os anos 1945 e 1960, utilizarei do estudo de performatização do gênero de Judith Butler para construir a identificação criada para essa mulher neste período, mostrando que as percepções analisadas por mim serão no campo das mudanças em suas performances na sociedade e quais influências que essas mulheres seguiram para criar suas performances estéticas.
Nessa perspectiva, a autora Judith Butler (2008) aponta a inexistência do sujeito mulher que o feminismo busca representar, discutindo e expondo a instabilidade da identidade do feminino, da essência do feminino, por assim dizer. Deste modo, a autora propõe a desconstrução do gênero a partir do seu questionamento em relação ao binarismo sexo/gênero, no qual o movimento feminista esteve muitas vezes fundamentado. Butler rompe com a lógica binária dos pares opositivos tanto quanto com “o” significado dado e preexistente. A pós-feminista escreve:
[...] se o sexo e o gênero são radicalmente distintos, não decorre daí que ser de um dado sexo seja tornar-se de um dado gênero; em outras palavras, a categoria de ‘mulher’ não é necessariamente a construção cultural do corpo feminino, e ‘homem’ não precisa necessariamente interpretar os corpos masculinos. Essa formulação radical da distinção sexo/gênero sugere que os corpos sexuados podem dar ensejo a uma variedade de gêneros diferentes, e que, além disso, o gênero em si não está necessariamente restrito aos dois usuais. Se o sexo não limita o gênero, então talvez haja gêneros, maneiras de interpretar culturalmente o corpo sexuado, que não são de forma alguma limitados pela aparente dualidade do sexo (BUTLER, 2008, p. 163).
Butler apresenta essa polarização sexo/gênero como uma construção que limita as possibilidades de manifestações de gênero e sua complexidade. A autora, ao admitir que o sexo não limita o gênero e que esse diz respeito a maneiras de interpretar o corpo sexuado, traz para a discussão o tema da performatividade de gênero, redimensionando a relação feminino/masculino. Segundo Butler, o gênero não tem uma identidade inalterável, completamente estável, suas características são performativas e podem estar presentes em qualquer corpo. O gênero se constrói no e pelo discurso, na performance. Portanto, a autora afirma que :
Se os atributos e atos do gênero, as várias maneiras como o corpo mostra ou produz sua significação cultural, são performativos, então não há identidade preexistente pela qual um ato ou atributo possa ser medido; não haveria atos de gênero verdadeiros ou falsos, reais ou distorcidos, e a postulação de uma identidade de gênero verdadeira se revelaria uma ficção reguladora (BUTLER, 2008, p. 201, grifo da autora).
A autora expõe a construção performativa do gênero e afirma que a performatividade corresponde a um discurso reproduzido, expondo sexos e gêneros construídos, normatizados. Em outras palavras, o ato performativo obriga o sujeito a se comportar a partir de discursos presentes e anteriores para que este se constitua como sujeito enquanto tal.
Assim, o trabalho de Butler se assemelhará e, de certa forma, estará embasada no pensamento da desconstrução, pois a autora busca apresentar diante da discussão entre sexo e gênero os corpos que até então eram colocados como abjetos pelas dicotomias da tradição. Como afirma Butler, ”[...] a construção do gênero atua através de meios excludentes [...]”. (BUTLER, 2007, p.161, grifo da autora). Tendo como plano de fundo o pensamento desconstrutivista, Judith Butler não só trará à tona sujeitos sociais, mas também a questão instigante das identidades consideradas fixas e preexistentes.
Porém, ao mesmo tempo em que se desconstrói o conceito de identidade feminina em relação ao gênero, o conceito de identidade pode ser observado na relação que o cabelo cria e reforça uma identificação social em relação ao individuo. O tema da manipulação da aparência feminina não é novo. O uso de artifícios para a conquista da beleza marca as mulheres há milênios. Roupas, cosméticos, penteados e cortes de cabelo, dietas alimentares e uma série de outros artefatos são aliados na busca feminina pelo encaixe em determinados padrões ou ideais estéticos.
Além da questão da beleza, os símbolos inscritos no corpo fazem parte da relação do indivíduo com o mundo. Marcel Mauss, no seu estudo intitulado “As técnicas corporais” (1934), nos relata que o corpo repleto de símbolos é o instrumento técnico primordial em que se inscrevem as tradições, cultura e aprendizados de uma determinada sociedade. Dessa maneira, o corpo e a aparência física de uma pessoa são carregados de simbologias e informações que fazem sua mediação com o mundo. Determinados itens de nossa aparência podem trazer importantes dados sobre nossa personalidade a serem exibidos para o mundo externo.
Entre as alterações em diversas partes do corpo, é dado um destaque especial aos cabelos. Mauss, ressaltou a importância do cabelo na vida social de um indivíduo quando afirma que os cabelos passam por diferentes fases ao longo da vida de uma pessoa, podendo variar de acordo com o papel desempenhado pelo indivíduo em determinado grupo.
O cabelo, pelo seu lugar de evidência no corpo, funcionando como uma moldura para o rosto, e pela relativa facilidade de manipulá-lo, é um importante fator na criação e reforço de identidades. De acordo com Queiroz e Otta (2000), a simbologia das partes do corpo pode ser associada às suas metades superior e inferior.
Sendo que a parte superior se destaca pela sua relação com as funções mais importantes. Segmentado, dividido à luz de critérios simbólicos ou classificatórios, as suas diferentes partes dão margens a representações variadas. A porção superior é associada as suas funções mais relevantes.
Na cabeça, encontra-se a face e nesta a boca e os olhos, os órgãos mais expressivos para a comunicação humana, marca de identidade da pessoa, e o crânio, sede do cérebro e da razão, justamente a faculdade que mais nos distinguiria dos animais. A porção inferior do corpo reúne os órgãos considerados mais animalescos e “indignos”, reprodutivos, digestores e excretores (…). (QUEIROZ; OTTA, 2000: 23)
Os cabelos funcionam como um importante veículo de comunicação e troca com o mundo. Através do significado da cor, corte, textura ou comprimento, cria-se imagens de si a serem veiculadas no meio social.
Dessa maneira, o cabelo pode ser visto como uma das partes do corpo que estabelece uma relação subjetiva com o mundo atuando na construção
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