SEMINÁRIO SOBRE O CAPÍTULO SEIS DO LIVRO O SHOW DO EU – A INTIMIDADE COMO ESPETÁCULO
Por: YdecRupolo • 5/10/2018 • 1.897 Palavras (8 Páginas) • 345 Visualizações
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Com o Romantismo, essa objetividade foi rompida. O artista, nessa época, era considerado como alguém especial, dotado de raros dons, diferente dos demais, dono de uma agitada vida interior, característica a qual constituía a fonte de sua arte. Nesse caso, se um traço da obra fosse diferente, ela não seria a mesma, pois representaria outros sentimentos.
A partir daí, começou a ser instaurada uma relação direta entre a personalidade do artista e sua obra, e a figura do autor se consolida, o que traz a ideia de propriedade legal sobre ela. Nesse contexto, toda obra se torna uma mercadoria, o que é característica dos dias atuais. A função-autor foi totalmente transformada, passando de desnecessária a essencial, pelo menos nas obras consagradas pela mídia e pelo mercado.
Uma prova de que a figura do autor está hoje mais exaltada do que em quaisquer outros períodos, é o tipo de evento que surgiu nesse século: festas literárias que combinam os interesses culturais, midiáticos e turísticos, como a Festa Literária Internacional de Paraty. Douglas Kellner, sociólogo, fala sobre o tema em seu ensaio “A cultura da mídia e o triunfo do espetáculo” sobre a tendência de fazer com que tudo se torne motivo de espetáculo hoje em dia, a necessidade de que algo seja reconhecido e de que cause impacto na mídia, o que transforma a sociedade atual em uma sociedade do espetáculo, conceituada por Guy Debord como “uma sociedade de mídia e de consumo organizada em função da produção e consumo de imagens, mercadorias e eventos culturais.”
Em detrimento dessas novidades, a criação artística é afetada. “A produção de arte gira em torno da produção de exposições”, aponta Peter Sloterdijk. As obras se tornam um meio de autopromoção do autor.
A romancista Rosa Monteiro faz um observação interessante quando fala que “os escritores são pessoas que escrevem para se esconder, porém, cada vez mais são obrigados a aparecer, falar, estar na televisão e nos festivais”. A “crise” é tanta que nas exposições, os principais produtos à venda são os próprios festivais – que muitas vezes contam com diferentes atrações de grande valor midiático - e os autores, e não as obras. Dessa forma, o principal atrativo não é a obra, mas sim, o livro como mercadoria, com a assinatura do autor na capa.
Nesses festivais, o público não quer somente ver o autor ao vivo. Quer comprar o seu livro, de preferência com sua dedicatória, mesmo que sua intenção não seja lê-lo. Tudo isso para adquirir status social, e se satisfazer emocionalmente, por ter em casa um objeto exclusivo do autor, o que entra no âmbito do consumismo definido por Jurandir Freire Costa. Sobre isso, Benjamin aponta “pela própria posse da obra de arte, participa de seu poder cultural” o que quer dizer que pelo simples fato de o consumidor possuir um objeto com a aura do autor, ele sente-se aurático, graças a uma operação metonímica de transferência de valores.
Nesta tendência também se encaixa o mercado internacional de objetos que pertenceram a escritores famosos que já morreram, de tempos passados, inclusive os manuscritos originais de suas obras, o que hoje em dia não existe tanto, em consequência da popularização dos meios digitais para a produção e armazenagem de texto.
Essa crescente situação provavelmente esteja indicando uma nova forma da função-autor. Uma mudança nos quais os meios de comunicação e o mercado desempenham um papel primordial que também se expressa nas novas práticas autobiográficas da internet, bem como nos fenômenos de espetacularização da personalidade e exibição da intimidade que invadiram todos os meios de comunicação.
A figura do artista passou a ser o mais importante do processo de invenção, como Jan Mukarovsky atestou em 1994 “a obra só é grande quando a personalidade do criador vive e respira por trás dela”. Assim, a vida privada do artista se torna a fonte principal de verdade sobre suas obras. Ele é frequentemente indagado sobre sua vida sentimental, o que leva a relacioná-la com suas obras, que mesmo que sejam de ficção, mantém uma relação com a vida do autor, o que a populariza ainda mais e faz dela mais interessante.
Voltando ao século XX, as vanguardas que marcaram seu início, extremaram esse gesto. Essas novas influências, que louvavam a morte da arte e incitava a fazer da vida uma obra de arte, geraram os primeiros artistas-ícone que fizeram de seus rostos logomarcas, como Salvador Dalí ou Andy Warhol, que tem suas obras dotadas de preços altíssimos e são adquiridas por quem deseja “ser alguém” na sociedade. Sua obra se destacou mais por sua atitude histórica do que pela sua estética.
Em 1917, um grande escândalo foi o estopim da definição do artista como alguém que é, e não como alguém que faz, conceituada por Benjamin: Marcel Duchamp tentou expor um urinol em um museu, afirmando que aquilo também era arte já que ele era um artista. Hoje, o vaso sanitário ainda está lá e é considerada a obra mais influente do século XX. A partir desse acontecimento, qualquer coisa pode ser considerada arte, desde que leve a assinatura de um artista, consagrando o ser artista. Nesse sentido, a aura se deslocou da obra para o artista, e o brilho da figura do autor contagia a obra, mesmo que ela seja qualquer coisa.
O principal elemento responsável por essas mudanças na função-autor é o papel que a mídia e o mercado têm ao delimitar o que é arte e quem é artista. De acordo com essa definição midiática, arte é hoje em dia aquilo que fazem (ou não) as celebridades. Elas nada fazem, porém sabem ser artistas. E graças a todas essas definições, qualquer um pode ser artista.
Algo que também é muito comum atualmente é levar as histórias dos livros para além das páginas, como transformá-los em grandes filmes, com as celebridades mais cotadas do momento, para que fiquem na mídia e sejam vendidos mais livros. Um exemplo são os livros da Virginia Woolf que viraram filmes estrelados pela Nicole Kidman.
No fim, apesar de toda essa espetacularização do mundo artístico, ainda existem pessoas que de fato apreciam obras de arte por seu conteúdo e estética.
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