Roger bastide: sociologia no Brasil
Por: eduardamaia17 • 19/9/2018 • 1.936 Palavras (8 Páginas) • 299 Visualizações
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Depara-se, portanto, com períodos distintos de redefinições que marcam a constituição de vários debates sobre os negros, que se estendem da década de 1930 até 1960. Os problemas da raça e da identidade nacional tomam características próprias na década de 1930: Gilberto Freyre surge com a tese da democracia social e étnica, Oliveira Vianna tem seu livro Raça e Assimilação reeditado, ao mesmo tempo em que Arthur Ramos publica as obras de Nina Rodrigues e suas próprias contribuições. As várias imagens de negros que surgem nestas obras tentam responder as questões da suposta inferioridade da população brasileira, da mestiçagem, da identidade nacional e sugerem soluções variadas. A década de 1940 apresenta-se como período da definição das Ciências Sociais brasileiras.
O tema da raça aparece frequentemente nesta produção, agora através dos estudos de assimilação e aculturação ou da crítica ao racismo. Donald Pierson, cuja obra sobre os negros da Bahia fora publicada inicialmente nos Estados Unidos e Emilio Willems, considerado por alguns como um dos pioneiros da sociologia científica no Brasil, representam tal entonação através de revistas, jornais e de sua atuação docente. Arthur Ramos publica uma série de trabalhos de sistematização. Bastide participa do processo de formação das Ciências Sociais brasileiras, ao dialogar com diversas tendências sociológicas e antropológicas.
A partir de sua vinda ao Brasil, desenvolveu uma série de pesquisas sobre a população de origem africana no país, até 1954, ano em que retornou à França, e participou do inquérito sobre as relações racial em São Paulo, patrocinado pela UNESCO e publicado em 1955. Durante o período de permanência no país, tomou contato com as obras sobre as religiões afro-brasileiras e pesquisou o candomblé. Ao mesmo tempo, a década de 1930 representa um momento de reavivamento de racismos no mundo e no Brasil, seja através das discussões parlamentares, seja através da difusão de livros como Raça e Assimilação de Oliveira Vianna ou de setores racistas do governo Getúlio Vargas, que tomará matizes e desenvolvimentos diferenciados nas décadas de 1940 e 1950.
A escolha também leva em conta a maior concentração de textos e artigos de Bastide em tal período. O marco final de 1960 representa um momento em que se avizinham mudanças estruturais nos estudos sobre o negro brasileiro e acerca do preconceito, com a ascensão dos estudos da “Escola de São Paulo” e de outras vertentes intelectuais. Ocorre uma mudança substancial nas preocupações e métodos das novas abordagens sobre a temática do negro brasileiro, com uma ênfase na categoria de classe, por parte de intelectuais como Florestan Fernandes e Luiz Aguiar da Costa Pinto, por exemplo.
O CANDOMBLÉ DA BAHIA E A CONTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE NAGOCÊNTRICA
Ao mostrar a origem do tema da “pureza nagô” nas Ciências Sociais brasileiras, e o papel de Nina Rodrigues na elaboração da hierarquização dos grupos negros presentes no Brasil. Além de incorporar o discurso interno dos grupos religiosos, ele os classificaria a partir de uma visão metodológica evolucionista. Apesar dos autores posteriores criticarem o evolucionismo de Nina Rodrigues, o conteúdo permanece, com a valorização do modelo religioso nagô.
Haveria uma série de elementos comuns entre os textos de Bastide e de seus antecessores, como Arthur Ramos e Édison Carneiro, como as distinções que valorizariam o candomblé baiano de rito nagô.
Estes autores teriam incorporado o discurso dos terreiros pesquisados e o transformado em discurso acadêmico. A valorização da África ocultaria o preconceito contra o negro, num argumento em que aproxima duas tradições intelectuais distintas, a dos estudos acerca das religiões de origem africana e a tradição intelectual que enfatizava a mestiçagem.
Nesta perspectiva, a valorização da África seria uma tentativa de escamotear o preconceito contra o negro, escondendo-se sob o manto da glorificação do africano, e, assim, tornar mais difícil combatê-lo, o que resultaria afinal numa tática de dominação. Vista assim, a exaltação da África seria a contrapartida, em termos culturais, do mito da democracia racial, e teria a mesma função controladora deste. Parece-me significativo que a glorificação da pureza nagô, que se esboça com Nina Rodrigues no final do século passado, torne-se vigorosa nos anos trinta deste século, quando se procede à legitimação científica da democracia racial.
Os intelectuais nordestinos tomaram como dado positivo a herança de origem nagô na Bahia para “transformar o Nagô em símbolo distintivo da Bahia e fazer da influência africana mais pura um elemento identificador do Nordeste”, em contraposição ao Sudeste mais desenvolvido economicamente, cuja população negra “era tida como de origem banta”, considerada culturalmente inferior, “mas cuja influência... era contrabalançada pela forte presença de brancos..., e, sobretudo, dos imigrantes europeus”. Dantas afirma que a tradição nagô seria considerada “como reduto de africanidade e de resistência”.
Um ponto especifico que deve ser citado é a literatura que analisa os textos sobre o preconceito, produzidos por Bastide. Existe a tendência em identificar os textos da pesquisa da UNESCO como a principal produção do autor sobre estes assuntos. Tal produção específica, entretanto, evidencia e condensa algumas das reflexões do autor sobre a situação racial brasileira, em especial no que se refere ao tema da democracia racial e seus efeitos sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As inversões e recriações do trabalho intelectual de Bastide mostram, por vezes, os desafios que o autor enfrentou para compreender determinadas situações e atuar intelectualmente.
O pensamento de Bastide é pleno de tensões, de rupturas, labiríntico, o que uma leitura de sua obra pode mostrar. Há uma tendência mimética visível entre os seus textos e a sociedade analisada, mas que nem sempre esconde algumas motivações essenciais do autor. Entre elas, a proeminência do estudo do transe no candomblé, a ênfase no objeto religioso como ponto de acesso para a compreensão da sociedade brasileira, os usos da história em seus textos.
O candomblé de rito nagô tem um papel central na sua obra e mostra, ao longo do tempo, a constância de uma linha de análise que teria sua forma mais acabada em O candomblé da Bahia e em As religiões africanas no Brasil.
Religião africana e negra, o candomblé de rito nagô seria o tema escolhido
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