A ESFERAS PUBLICO E PRIVADO EM HANNAH ARENDT
Por: Carolina234 • 24/10/2018 • 2.773 Palavras (12 Páginas) • 374 Visualizações
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“...hoje não nos ocorre, de pronto, esse aspecto de privação quanto empregamos a palavra “privatividade”; e isto, em parte, se deve ao enorme enriquecimento da esfera privada através do moderno individualismo. ” (Arendt, Hannah. A Condição Humana, p.48).
O chefe de família exercia um poder despótico, evitando a desunião e afirmando uma única opinião que detinha o poder comum, até o século XVIII, antes a “falia nuclear” começasse a se desintegrar. O rei adaptou o modelo ao chefe da família a seu favor.
“...antes da moderna desintegração da família, esse interesse comum e essa opinião única eram representados pelo chefe de família, que comandava segundo essa opinião e esse interesse, e evitava uma possível desunião entre os membros de sua casa. ” (Arendt, Hannah. A Condição Humana, p.49).
“... a igualdade dos membros desses grupos, longe de ser uma igualdade entre pares, lembra muito mais a igualdade dos membros da família entre o poder despótico do chefe da casa, exceto que, na sociedade, onde a força natural de um único interesse comum e de uma opinião unânime é tremendamente intensificada pelo próprio peso dos números, o poder exercido por um único homem, representando o interesse e a opinião adequada. ” (Arendt, Hannah. A Condição Humana, p. 50).
Posteriormente, com os ideais do liberalismo (e os Revolução Francesa) o poder político transformou-se numa espécie de “governo de ninguém”. Em outras palavras: a vontade geral resumida no espaço público burguês dos salões, cafés e clubes, assim como na democracia parlamentar. Nesse contexto, o comportamento humano perante a administração pública foi uniformizado pela burocracia, que assume um controle despótico nas relações sociais. E importante salientar que Hannah, implicitamente, destaca que este “governo de ninguém” significa somente uma vontade geral, que pode se tornar um poder deligado da pessoa do Rei e concentrado numa vontade geral unitária e não uma ausência de governo.
“...o governo monárquico – que os antigos diziam ser a forma organizacional da família, transforma-se na sociedade (como hoje a conhecemos, quando o topo da ordem social já não é constituído pela casa real de um governo absoluto) em uma espécie de governo de ninguém. ” (Arendt, Hannah. A Condição Humana, p.50).
“... como verificamos pela forma mais social de governo, isto é, pela burocracia (a última forma de governo no estado nacional, tal como o governo de um só homem em digno despotismo constitui o seu primeiro estágio), o governo de ninguém não significa necessariamente a ausência de governo; pode de fato, em certas circunstancias vir a ser uma das mais cruéis e tirânicas versões. “ (Arendt, Hannah. A Condição Humana, p.50).
A vontade geral, surge, primeiramente, com a tentativa da democracia direta (Revolução Francesa), em seguida na democracia representativa. Dessa forma, na sociedade do século XIX e recentemente no século XX, a ação individual de afirmar a racionalidade discursiva foi absorvida por uma sociedade unitária com a sociedade de massas, uniformizando o público e o privado com a supremacia do social. Ao contrário do que Hannah defendeu (modelo grego de oposição entre o oikos e a polis), a política passou a ocupar-se com a esfera privada, ou seja, o social privado adquiriu um estatuto de ação política.
“... O surgimento da sociedade de massas, pelo contrário, indica apenas que vários grupos sociais foram absorvidos por uma sociedade única, tal como as unidades familiares haviam antes sido absorvidas por grupos sociais; com o surgimento da sociedade de massas a esfera social atingiu finalmente, após séculos de desenvolvimento, o ponto em que abrange e controla, igualmente e com igual força, lados os membros de determinada comunidade. ” (Arendt, Hannah. A Condição Humana, p.50).
Hannah ainda faz uma crítica ao despotismo das numerosas multidões, fazendo defesa do modelo político da polis grega, onde a ação política estava restrita aos cidadãos e era individual.
“Os gregos, cuja cidade-estado foi o corpo político mais individualista e menos conformista que conhecemos, tinham plena consciência do fato de que a polis, com sua ênfase na ação e no discurso, só poderia sobreviver se o número de cidadãos permanecesse restrito. ” (Arendt, Hannah. A Condição Humana, p.52).
“Grandes números de indivíduos, agrupados numa multidão, desenvolvem uma inclinação quase irresistível na direção do despotismo, seja o despotismo pessoal ou do governo da maioria; embora a estatística, isto é, o tratamento matemático da realidade, fosse desconhecida antes da era moderna...” (Arendt, Hannah. A Condição Humana, p.53).
Para promover o político e o privado a uma uniformização do comportamento consumista, a conduta da sociedade de massas conduz ao conformismo do social e a negação da pluralidade da discussão. Arendt lamenta esse fato.
“Na realidade, os feitos perderão cada vez mais a sua capacidade de opor-se a maré do comportamento, e os eventos perderão cada vez mais a sua importância, isto é, a sua capacidade de iluminar o tempo histórico. A uniformidade estatística não é de modo algum um ideal científico inócuo, e sim o ideal político, já agora não mais secreto, de uma sociedade que, inteiramente submersa na rotina do cotidiano, aceita pacificamente a concepção cientifica inerente à sua própria existência. ” (Arendt, Hannah. A Condição Humana, p.53).
Na sociedade de massas o homem garante a sua sobrevivência no despotismo pela ação política da persuasão e da palavra. Arendt afirma que essa situação pode conduzir à destruição da política, ao totalitarismo ou até mesmo ao fim da humanidade.
“[...] a sociedade de massas, onde o homem como animal social reina supremo e onde aparentemente a sobrevivência da espécie poderia ser garantida em escala mundial, pode do mesmo tempo ameaçar de extinção a humanidade. ” (Arendt, Hannah. A Condição Humana, p.56).
A sociedade de massas, que é guiada pela atividade do labor, o animal laborans adquiriu o estado de assalariado, procurando somente a subsistência da sua vida e de sua família, meramente pelo consumo, interessando-se somente pelo trabalho naturalmente admitido, distanciando-se da produção técnica da ação política ou da vida contemplativa.
“A mais clara indicação de que a sociedade constitui a organização pública do próprio processo vital talvez seja encontrada no fato de que, em tempo relativamente curto, a nova esfera social transformou todas as comunidades concentraram-se
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