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Sobre a revolução - hannah Arendt

Por:   •  23/10/2018  •  3.422 Palavras (14 Páginas)  •  289 Visualizações

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aos homens do Velho Mundo. Assim, baseando-se na ideia de que o homem não deve receber poder ilimitado para não se tornar corrompido, viu-se a necessidade de conceder ao próprio governo o dever de frear o impulso humano por esse mesmo poder. Aqui, Arendt cita Madison, o qual afirma que "é de grande importância numa república não só proteger a sociedade contra a opressão de seus governantes, mas também proteger uma parte da sociedade contra a injustiça da outra parte para resguardar os direitos dos indivíduos ou da minoria... contra as combinações de interesses da maioria”.

Os fatores que embasam o conteúdo concreto de uma constituição, para a autora, não se encontram na simples salvaguarda das liberdades civis, mas no estabelecimento de um novo sistema. Tendo isso em vista, a Revolução Americana, sob direcionamento dos fundadores, não tinha como ponto central a limitação do poder, mas como estabelece-lo e instaurar um novo. Arendt aponta que tal questão é carregada de controversas devido ao papel desempenhado pela “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” durante a Revolução Francesa, em que tais direitos foram de fato a base de sua fundação. Adiante, retornando à análise americana, tem-se que as constituições estaduais que precederam a Constituição da União tinham como objetivo a criação de novos centros de poder, recorrendo-se ao que chamavam à época de “ciência política”, a qual tentava descobrir "as formas e combinações de poder nas repúblicas". Com isso, procurando aprender sobre a constituição do poder, desenvolveu-se certo fascínio pela obra de Montesquieu, que segundo a autora exerceu um papel para a Revolução Americana quase tão importante quanto Rousseau para a Revolução Francesa, defendendo que, na esfera política, poder e liberdade devem caminhar juntos.

Passando a analisar a separação dos poderes, Hannah Arendt lembra que, mesmo que Montesquieu desconhecesse as origens históricas, tal reflexão já era feita em Aristóteles ou até mesmo em Políbio. A descoberta do francês se referiu à natureza do poder, sendo sintetizada em “apenas o poder detém o poder”. Entretanto, a violência pode ser um elemento destruidor de tal, o que acontece nas tiranias, e, ao contrário do que se costuma pensar, o poder não pode ser contido pelas leis, uma vez que a autoridade do governante a ser contida não é de fato poder, mas violência originada pela “força multiplicada de um que monopolizou o poder dos muitos”. E, mesmo que as leis pudessem conter o poder, tal limitação seria parcial. Por outro lado, “o poder só pode ser refreado e ainda continuar intacto pelo poder, de forma que o princípio da separação do poder não só fornece uma garantia contra a monopolização do poder por uma parte do governo como também oferece efetivamente uma espécie de mecanismo, embutido no próprio núcleo interno do governo, que gera constantemente um novo poder, que, porém, não é capaz de crescer e se expandir em prejuízo de outros centros ou fontes de poder”. Paralelo a essa questão, havia o problema principal dos fundadores, que era a dúvida sobre como estabelecer a União a partir das treze repúblicas devidamente constituídas, criando um sistema de poderes capazes de se conter e de se equilibrar, impossibilitando que o poder da União ou de suas partes se destruíssem mutuamente. Em teoria, e sob a defesa de John Adams, cujo pensamento político se baseava no equilíbrio dos poderes, os fundadores entenderam muito bem a doutrina de Montesquieu, na visão da autora. Além disso, analisando a questão no plano concreto, Arendt aborda outro argumento de Madison, o qual afirmava que “o próprio estabelecimento da União havia fundado uma nova fonte de poder, que não extraía de maneira nenhuma sua força dos poderes dos estados, na medida em que não havia se estabelecido às expensas deles”. O governo nacional teria o dever de conter os governos estaduais, assim como teria a obrigação, pelo princípio da autopreservação, de reinstaurá-los em sua jurisdição própria caso fossem abolidos. Com isso, apresenta-se o que talvez seja a maior inovação americana no plano político: “a percepção de que, na esfera dos assuntos humanos, soberania e tirania se equivalem”. Temendo a concretização de outro argumento de Montesquieu, o qual se dava na ideia de que o governo republicano funcionava apenas em territórios relativamente pequenos, chamou-se a atenção para mais uma concepção do próprio francês, que se estabelecia no fato de que, para resolver problemas de países maiores, os corpos constituídos deveriam ser capazes de constituir um novo corpo, a República Confederada. O objetivo da Constituição americana era criar um centro de poder inteiramente novo com o fim de compensar a República Confederada, e, com isso, a Constituição Americana consolidou o poder da revolução.

2.

A análise que se inicia agora se baseia no âmbito do poder e da autoridade. Arendt, após lembrar que nenhuma revolução teve êxito, e poucas rebeliões sequer tiverem início onde não se atingiu a autoridade do corpo político, afirma que, desde o começo, a recuperação das antigas liberdades foi acompanhada pela reinstituição da autoridade perdida e do poder perdido, e que esse fenômeno, na tentativa de reinstituição, trouxe uma nova experimentação desses conceitos. Para além disso, a autora destaca que, historicamente, a maior diferença entre as revoluções americana e francesa se encontra no fato de que a herança da primeira consiste na “monarquia limitada”, enquanto a herança da segunda consiste num absolutismo que remontava aos primeiros séculos da nossa era e aos últimos séculos do Império Romano. Adiante, Arendt explica que os homens da Revolução Francesa estavam de acordo quanto à necessidade de que a vontade da nação fosse a própria lei, da mesma forma em que os homens da Revolução Americana estavam de acordo sobre a questão da limitação do governo, o que traz também um paralelo entre a teoria da separação dos poderes de Montesquieu e a noção da Vontade Geral de Rousseau. Para os franceses, além de ter como ponto passivo o fato de que o povo fosse a própria lei, convergia-se também na ideia de que o povo fosse a fonte de tais. Por outro lado, para os americanos, mesmo que a sede do poder fosse o povo, a fonte da lei viria a ser a Constituição, um documento que pode ser interpretado de diferentes maneiras e mudado de acordo com as circunstâncias, mas que não possui um estado de espírito subjetivo, como a vontade. Assim, os mesmos homens que fundaram o corpo político se viriam obrigados pelas leis que formularam e que deram origem.

Arendt aponta, agora, um outro problema que passou

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