A História do Lago dos cisnes
Por: Salezio.Francisco • 23/12/2018 • 2.909 Palavras (12 Páginas) • 354 Visualizações
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Nesse momento, Nina passa a entrar em contato com o princípio de um conflito, que a levará a seu processo de enlouquecimento, onde as condições colocadas pelo “ambiente externo” (seu treinador, a companhia, seus reais impulsos) pedem que ela rompa de alguma forma com seu “ambiente interno” (representados por sua mãe, suas próprias regras de ser no mundo moldadas pelo outro, suas limitações). A negação de Nina aponta uma necessidade maior de ser para si do que ser para os outros, demarcada através de sua atitude. (CASTRO, 2016)
A escolha de Nina como nova protagonista inclui que a antiga estrela da companhia de balé estaria encerrando sua participação, e por isso haveria a necessidade de uma nova alocação. Dessa forma vemos simultaneamente o aparecimento de Nina como personagem principal e a decadência de Beth, bailarina mais velha que ocupou o espaço de protagonista por muito tempo, até ter de se aposentar por ser considerada velha demais para continuar dançando.
Beth é uma personagem que traz marcas muito importantes, e a falência de seu projeto de ser está intimamente vinculado a ascensão do projeto de Nina, ao mesmo tempo que também o ameaça, trazendo um lembrete de que a idade também chegará para a moça, deixando-a sem escapatória. Beth chega a provocar Nina ao ser substituída, insinuando que a moça deveria ter pago sua colocação como personagem principal tendo relações sexuais com o diretor. Nesse momento fica escancarado esta era uma prática comum entre o diretor e as bailarinas principais.
Com o desenrolar do filme, Beth se envolve em um acidente, sendo atropelada por um carro e tendo suas pernas destruídas. Este parece ser um momento importante da trama por retratar o desespero de Beth ao ver seu projeto de ser ruir, e em que é possível por meio de intervenções feitas por Thomas de que a antiga bailarina teria provocado próprio acidente por impulso destrutivo, para extinguir a possibilidade de utilizar suas pernas sem ser da maneira que desejava, a ver, dançando.
Assim, na impossibilidade de seguir sua carreira de bailarina, o acidente se apresenta para Beth como alternativa a sua falência de projeto de ser, já que ela seria aposentada por invalidez mediante acidente, e não por estar velha demais para dançar, o que lhe era inaceitável. Parece que aí se apresenta para Nina a destruição como reflexo de como uma boa bailarina termina sua carreira, já que esta se mirava no exemplo da carreira de Beth.
Ao entrar em contato com essa condição de finitude das coisas, Nina experiência um colapso de ideias e da própria realidade, levando-a a um estágio de desorientação temporal e psíquica, onde é instaurado, de fato, um desarranjo na sua maneira de perceber e vivenciar a si mesma, o outro e o mundo.
Conseguir a alocação como Rainha Cisne parece apresentar a primeira mudança efetiva no projeto de ser de Nina, e aí ela se depara com a impossibilidade de seguir sendo a moça recatada, inocente, doce e boa filha que havia sido sempre. Ela passa a precisar abandonar um pouco esta faceta e a incluir aos poucos as características exigidas pelo Cisne Negro. Não parece ser à toa que o primeiro “dever de casa” que o diretor lhe dá após ser escolhida como protagonista ser que ela se masturbe, o que ela acata, obtendo prazer sexual pela primeira vez consigo mesma. A transformação de Nina, representada até então pela figura do Cisne Branco, em Cisne Negro parece começar de forma mais exposta e evidente aí.
Dentro de seu momento vivencial, o caminho para tornar-se o Cisne Negro surge então como uma alternativa possível de tentar resgatar a si, oferecendo uma direção a ser seguida que lhe desafiaria a se encontrar consigo mesma outra vez, como uma nova forma de temporalização do existir. (CASTRO, 2016)
Outro personagem grande importância que surge na trama é Lily, uma nova e inusitada bailarina que se junta ao elenco de bailarinos da companhia de dança. Lili representa tudo que Nina não é; sempre vestida com roupas pretas e de forma mais provocadora, Lili é mais alegre, descontraída e sedutora. Nina enxerga Lily como o Cisne Negro em si, e passa a ver nesta moça a maior ameaça ao seu projeto de ser.
Assim como a história do Lago dos cisnes, Nina e Lily vivem uma história de aproximações, companheirismo e ódio profundos. É à Lily que Nina tem de recorrer para provar para si mesma que pode ser subversiva e abandonar a versão Cisne Branco de seu projeto de ser, se expondo ao uso de drogas, a faltar ensaios e a promiscuidade. Parece importante colocar que a subversão de Nina também parece emergir em uma espécie de afrontamento a figura materna, na tentativa desesperada de quebrar o projeto de ser que a mãe de Nina havia criado para a filha.
Nesse momento, Nina, ao romper com parte de suas contingências vive um impasse onde se desvencilhar de seu antigo projeto de ser seria dar sequencia a uma reformatação do mesmo – abrindo mão do papel do Cisne Negro e voltando a se adequar à sua realidade cerceadora ou enfrentando as contingências e dando sequência a seu novo projeto de ser sendo capaz, inclusive, de enfrentar a ameaça à sua realização, personificada na figura de Lily.
A cena em que Nina usa drogas e vai à boate acompanhada por Lily retrata a aparição do Cisne Negro com mais intensidade, como se à partir daí fosse este o cisne que dominasse a relação interna da protagonista. Ela se encontra sob o uso de drogas, tendo relacionamentos sexuais com diversos homens e tendo alucinações em que se via com a maquiagem do Cisne Negro. Parece ainda restar uma confusão entre Cisne Negro e Cisne Branco, como se ilustrasse a transição para a dominação final do Cisne Negro. Em diversos momentos os personagens se misturam, tanto os cisnes quanto as duas bailarinas, e muitas vezes Nina se vê no rosto de Lily.
Após sua noite subversiva, Nina se atrasa para seu ensaio por conta da noite difícil, se deparando com a terrível notícia de que Lily será sua substituta na apresentação, o que ameaça verdadeiramente seu projeto de ser uma estrela do balé. Simultaneamente, ela passa ao ato em casa em uma tentativa de destruir todas as suas marcas de inocência e pureza, jogando todos os seus bichinhos de pelúcia no lixo. Este parece ser um momento em que a protagonista aparece tentando, na prática, matar o Cisne Branco que habitava em si para poder vivenciar apenas o Cisne Negro.
Nessa fase vemos seu processo de enlouquecimento representado através de uma morte simbólica de seu antigo projeto de ser, evidenciando uma cisão psíquica. É como se a protagonista tivesse percebido que essa forma de submeter seu projeto de ser ao projeto
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