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Direitos humanos e o infanticídio indígena: limites da intervenção penal na cultura de um povo

Por:   •  19/1/2018  •  4.507 Palavras (19 Páginas)  •  458 Visualizações

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“As razões são diversas, mas, para fins práticos, podem ser agrupadas em torno de três critérios gerais: a incapacidade da mãe em dedicar atenção e os cuidados necessários a mais de um filho; o fato do recém-nascido estar apto ou não a sobreviver naquele ambiente físico e sociocultural onde nasceu; e a preferência por um sexo”. (FEITOSA, 2006; 5) [8]

1. O INFANTICÍDIO

Conforme já exposto, o termo de origem latina busca denotar a morte de crianças “indesejadas”, ou seja, aquelas que não terão serventia para a comunidade, de acordo com suas regras e costumes.

Apesar de ser uma perda lastimável, não é qualquer criança que está embarcada no termo infanticídio. O Código Penal Brasileiro[9], no artigo 123, descreve a morte do filho, ocasionada pela mãe, durante o chamado estado puerperal.

Do texto da lei ressalta-se que o ato possui pressupostos para ser tipificado no referido artigo, dos quais matar o próprio filho, ou seja, um crime personalíssimo pois cabe apenas à mãe, que o faz durante ou logo após o parto, estando sob influência do estado puerperal. Uma consideração necessária se faz quanto ao artigo 17 do Código Penal Brasileiro, que afirma ser crime impossível por absoluta impropriedade do objeto se o filho já nasce sem vida.

Outro ponto de fundamental importância é o tempo do crime. O texto do artigo supracitado é claro quando afirma ser infanticídio o ato durante ou logo após o parto. Se o fato ocorre antes do parto considera-se aborto, este tipificado no artigo 124 do Código Penal Brasileiro.

O caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 é claro quanto à proteção do direito à vida. Neste caso não seria anormal acreditar que o bem tutelado pelo infanticídio é o direito à vida humana.

A questão, porém, se torna complexa quando outro bem tutelado pelo mesmo caput do artigo 5º da Carta Magna garante o direito à liberdade e a igualdade. Liberdade de crenças, igualdade de direitos são inegavelmente cláusulas pétreas para nosso ordenamento jurídico.

“Direitos de primeira geração (individuais ou negativos) foram os primeiros a ser conquistados pela humanidade e se relacionam à luta pela liberdade e segurança diante do Estado. Por isso, caracterizam-se por conterem uma proibição ao Estado de abuso do poder: o Estado NÃO PODE desrespeitar a liberdade de religião, nem a vida etc. Trata-se de impor ao Estado obrigações de não fazer. São direitos relacionados às pessoas, individualmente”. (Sarlet, 2012; 210) [10]

Temos, então, dois direitos em conflito buscando resguardar questões que influenciam o mesmo objeto material: a criança tanto o neonato (recém-nascido) quanto o nascente (que está nascendo).

1.1 Sujeito Ativo

Sujeito ativo, no dizer de Mirabete, “é aquele que pratica a conduta descrita na lei, ou seja, o fato típico.” (MIRABETE, 2009; 110). [11] Conforme já exposto, o infanticídio é considerado um crime personalíssimo, ou seja, o autor do fato deve possuir atributos especiais que o qualifiquem como tal. Neste caso, como prevê o Código Penal, somente a mãe pode figurar no polo ativo. Outro atributo que lhe comete é a presença do estado puerperal.

Apesar do artigo tratar o infanticídio como crime de mão própria e não dispor sobre a conduta de terceiros, não quer dizer que terceiros que tiveram participação no ato não serão punidos. A doutrina majoritária entende a comunicabilidade do crime a terceiros, fundamentando no texto dos arts. 29 e 30, ambos do Código Penal. O primeiro trata do concurso de pessoas, determinando que: “Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”, tratando em seus parágrafos sobre a previsibilidade da gravidade do resultado.

Estamos diante da teoria monista, que afirma haver um único crime para autor e partícipe, ou seja, todos respondem pelo mesmo crime. No mesmo sentido trata o art. 30 do mesmo código, sobre circunstâncias incomunicáveis: “Art. 30 – Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.” Permite-se, então, que a circunstância do chamado estado puerperal seja comunicada com terceira pessoa.

1.2 Sujeito Passivo

Considerando a particularidade do crime ser, conforme já explanado, crime próprio onde a mãe figura como polo ativo no crime de infanticídio, só poderá figurar no polo passivo o filho nascente ou recém-nascido.

Segundo Nélson Hungria: “O feto vindo à luz já representa, do ponto de vista biológico, antes mesmo que totalmente desligado do corpo materno, uma vida humana. Sob o prisma jurídico-penal, é, assim, antecipado o início da personalidade. Remonta esta ao início do parto, isto é, à apresentação do feto no orifício do útero” (HUNGRIA, 1958; 257) [12].

Para considerar infanticídio, então, é necessário que haja vida no neonato, por mais precária e breve que seja. Independe da possibilidade de continuação da vida.

1.3 Tipo Objetivo

A conduta que tipifica este crime coaduna-se com a conduta que tipifica o homicídio: a morte. Neste caso, não qualquer morte, mas a morte do filho que está nascendo ou recém-nascido pela genitora, conforme código penal, artigo 123, que admite apenas a forma dolosa.

Há um cuidado do legislador em delimitar o lapso temporal da conduta, deixando a conduta muito semelhante com a do constante no artigo 124 do código em questão (aborto). Diferenciam-se, então, pelo lapso temporal.

Porém, como leciona Mirabete, esse prazo não é fixo, ou seja, fica a cargo da interpretação do julgador: “Não fixa a lei o limite de prazo após o parto em que ocorre o infanticídio e não homicídio. Almeida Jr., que se referia a um prazo preciso, de até sete dias, passou a admitir que se deve deixar a interpretação ao julgador. Bento de Faria refere-se ao prazo de oito dias, em que ocorre a queda do cordão umbilical. Flamínio Fávero também se inclina para a orientação de deixar ao julgador a apreciação. Costa e Silva afirma que ‘logo após’ que dizer ‘enquanto perdura o estado emocional’. Damásio estende o prazo até enquanto perdurar a influência do estado puerperal. Na jurisprudência, tem-se entendido que, se apresentando de relativo valor probante a conclusão para a verificação do estado puerperal e assumindo relevo as demais circunstâncias que fazem gerar a forte presunção do delictum exceptum (RT 506/362, RJTJESP

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