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RESENHA: Cárcere e Fábrica - As Origens do Sistema penitenciário

Por:   •  18/4/2018  •  2.292 Palavras (10 Páginas)  •  427 Visualizações

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Os autores asseveram que absorção da disciplina capitalista, própria ao seu processo de produção, detinha uma essencial função, uma vez que o detento devia se submeter à autoridade e regras. No cárcere, o trabalhador devia ser disciplinado para a produção, aprendendo a importância da organização, limpeza, dentre outros.

O controle do proletariado era exercido nas casas de correção. Era criada uma força de trabalho que, pelas atitudes morais, saúde física, capacidade intelectual, conformidade às regras, hábito da disciplina e obediência, estaria adaptada ao regime da fábrica. Os autores ressaltam que isso era um instrumento que desenvolvia a importância da disciplina a necessidade imperiosa da força de trabalho produzir, na jornada de trabalho, um valor maior do que aquele que o capitalista antecipou.

O detento devia incorporar um comportamento que demonstrava o novo padrão de conduta que deveria possuir, e que afirmava seu rompimento com o padrão de vida anterior.

Conforme Melossi, assegurar “a supressão de um sem número de impulsos e de disposições produtivas para valorizar apenas aquela parte infinitesimal que é útil ao processo de trabalho capitalista é a função confiada pelos bons burgueses calvinistas do séc. XVII à casa de correção”.

Da mesma forma que escola, quartel, família, etc, a prisão, aliada a outras instituições, exerceu sua função de adequar os corpos dos homens modernos às exigências capitalistas.

Pavarini e Melossi afirmam que, do viés econômico, o cárcere não obteve grandes resultados, frustrando assim a tentativa de transformar o trabalho carcerário num trabalho produtivo. No entanto, a prisão logrou êxito na transformação dos criminosos em proletários, pois o “objetivo desta produção não foram tanto as mercadorias quanto os homens”.

Destarte, nas palavras dos autores "as práticas formativas das instituições, as ideologias, as teorias que as regem, só são compreensíveis a partir dessa necessidade essencial do capital de reproduzir a si mesmo, passando através dos vários momentos do social, produzindo, portanto, através de sua própria reprodução, uma sociedade nova."

O condenado se vê diante da imposição da condição de proletário, sendo esta sua única possibilidade de sobrevivência, configurando um processo dialético de destruição e reconstrução. Os autores definem este processo como "o não-proprietário homogêneo ao criminoso, o criminoso homogêneo ao preso e o preso homogêneo ao proletário."

Com a aceitação de subordinação e do reconhecimento da disciplina do salário, o não-proprietário-preso deve ser transformado em proletário. Sendo a educação para o trabalho assalariado, o único instrumento para satisfação das necessidades pessoais. Melossi diz que "o cárcere assume, portanto, a dimensão de projeto organizativo do universo social subalterno, modelo a ser imposto, espalhado, universalizado”.

Os trabalhadores só passaram a reconhecer a educação como exigência desse modo de produção, aliado pela coerção do necessidades econômicas, na medida em que o capitalismo avançou. A necessidade acabou se transformando em instrumento de regulação social, a partir do momento em que o capitalismo atingiu seu desenvolvimento completo, passando a ter hegemonia material e ideológica.

Destarte, a violência passou a ser minimizada se comparada ao período inicial do capitalismo. No entanto, ela continuou com importante instrumento de regulação das classes subordinadas. É neste cenário que a liberdade do trabalhador passa a ser representada pelo "contrato".

O princípio da troca equivalente deve instruir a perda da liberdade a ser imposta ao condenado, devendo ser graduada e limitada. Ao mesmo tempo em que a vítima requer a reparação, o réu pede clemência e o tribunal fica imparcial.

O sujeito que delinquiu e é condenado, passa a ser como um "devedor"que deve ressarcir sua vítima. Portanto, cada delito equivale a um valor de liberdade a ser cerceada.

Nesse sentido, se o contrato é a forma da pena privativa da liberdade, estruturada no modelo da “relação de troca”, a execução é adaptada sobre o modelo da fábrica, como disciplina e subordinação. Essa relação entre “razão contratual” e “necessidade disciplinar” do castigo equivale à relação dominante na “relação de trabalho” entre “contrato de trabalho” e “subordinação operária”. Essa contradição também reflete a aporia presente no modo de produção capitalista entre a esfera da distribuição ou circulação, esfera da liberdade, e a esfera da produção ou de extração de mais-valia – esfera da subordinação.

Os autores demonstram diversas coincidências entre o universo da fábrica e o universo do cárcere, como: 1. Se o contrato de trabalho pressupõe formalmente “empregador” e “prestador”, enquanto “sujeitos livres” num plano de paridade, a relação de trabalho determina, ao contrário, a necessária subordinação do proletário ao empresário. Não é diferente na relação punitiva: a “pena como retribuição” pressupõe “o homem livre”; o “cárcere” tem “o homem escravo” à sua disposição. 2. A discricionaridade máxima daquele que oferece trabalho na utilização da força de trabalho do prestador coincide, historicamente, com a mesma “deducibilidade do corpo” deste último no objeto da relação; isso não é diferente do que ocorre na relação disciplinar própria da pena como execução. 3. Como o contrato de trabalho entre iguais (“relações horizontais”) cria um “superior” e um “inferior”, assim a pena-retribuição cria (é) execução penitenciária, ou seja, um aparato de “relações verticais”. 4. A “subordinação do trabalho” é exercício de um poder conferido pelo “contrato”. A “subordinação do cárcere” é exercício do poder conferido pela “pena-retribuição”. 5. Na relação de trabalho, a subordinação do prestador de trabalho é (também)

“alienação pelos/dos meios de produção”. Na relação penitenciária, a subordinação do preso é “expropriação” (também) pelo/do próprio corpo”. 6. A liberdade contratual do proletário encontra seu próprio objeto na “prestação como conteúdo inativo” (perda da liberdade por um quantum de tempo). A essa perda de liberdade e de autonomia faz frente o poder disciplinar

do empresário. O mesmo acontece na pena carcerária: o objeto da pena é a “privação de um tempo” (quantum de liberdade) que deverá, no processo de execução, ser vivido como sujeição.

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