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Um Conto Sabarense

Por:   •  9/11/2018  •  3.411 Palavras (14 Páginas)  •  357 Visualizações

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continua

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Capitulo 1

-Passa a bola, passa a bola! Deixa de ser fominha, Tição! Boa, minino! Segura essa, Carlinho!

Todas as tardes, o jogo de pelada no Bernadão era certo. Estranho como o cansaço de uma jornada de trabalho não impede umas boas corridas atrás da bola num jogo de pelada. Por isso saem tantos craques da bola no Brasil. Naquela tarde de sexta feira, o jogo estava mais animado, várias equipes “de fora”, como diziam, esperando uma das equipes ser eliminada para poderem entrar. Porque aos sábados, ninguém trabalhava. Todos os anos havia o campeonato de pelada do Bernadão. Era um evento bastante concorrido, com participação de equipes da Vila Esperança, Córrego da Ilha, Morro da Cruz, Campo Santo Antonio, além de Esplanada e Caieira. Invariavelmente, se alternava o titulo do campeonato entre Córrego da Ilha e Caieira, que tinham as mais fortes equipes.

Aquela pelada da sexta feira era especial, pois, era uma espécie de treino para o campeonato que começaria no próximo mês. O campo era de terra batida, o que deixava os jogadores cobertos de poeira que, se misturando ao suor, deixava as caras enlameadas, motivo de repreensão das mães e esposas na volta para a casa. Haviam dois jogadores considerados veteranos devido à idade, embora não gostassem de serem tratados como tal: Arruda, trinta e nove anos e Puliça, 42, ex sargento temporário do exército, negro alto e espadaúdo, que atropelava seus pobres adversários que ousavam ser zagueiros contra ele. O resto era uma miscelânea sem faixa etária definida. Haviam garotos de quatorze aos 25 anos. Arruda chega em casa, abre a porta da sala, Helena,sua esposa mulata linda, lhe dirige um olhar que mais parece uma punhalada. Esse olhar passeia do seu corpo sujo da terra do Bernadão ao chão muito bem limpo, com cheirinho de floral. Helena nãoprecisa dizer mais nada. Seu olhar diz mais que um milhão de palavras para arruda que, desistindo de entrar, volta sobre os passos, passa pela garagem e se dirige aos fundos da casa, onde há a torneira do jardim. Encaixa a mangueira, tira a camisa ficando apenas de calção e abre a água, eleva a ponta da mangueira acima da cabeça deixa escorrer por um tempo pelo seu corpo. Helena aparece na janela da cozinha: -E o Senhor queria deixar rastro de terra na sala! Rum! Folgado! Ajudar a arrumar, ninguém quer!- Diz ela, desaparecendo da janela em seguida para vigiar a panela de carne com mandioca que borbulhava no fogão.

Tá um silêncio danado nessa casa! Cadê o Cicinho? –Pergunta ele, ignorando o xingamento da esposa. –Sei lá. Estava aqui ainda nesse instante. Não passou por você ai fora? –Não. Pra falar a verdade, hoje ainda não vi esse mocinho. Ele anda meio misterioso ultimamente. “To” precisando ter um papo sério com ele. Ontem perguntei se estava com dificuldade nas matérias do colégio. Disse que não, mas, escutei uns comentários do Kessinho de que ele está devendo matemática. –“Cê” vai acreditar nesse Kessinho? Esse moleque tá até na nóia, pelo que o povo anda dizendo. Quem ele pensa que é pra falar do Cicinho? Rum! –Pode ser, responde Arruda, mas, eu vou conversar com ele hoje. E pára de se invocar com o Kessinho. Nada a ver o que o povo fala. Sabe que esse povo fala demais. Se tivesse alguma verdade nisso tudo, pai dele já teria colado ele na parede! –Que nada! Responde Helena. O Waldir tá morto na cachaça. Nem dá fé do que se passa à sua volta! -Olha Helena, vamos morrer esse assunto agora mesmo. Não é bom ficar falando de quem não está próximo para se defender. E você parece estar chegada numa fofoca ultimamente, diz ele dando uma gargalhada, acendendo de novo a fúria dela, que sai em seu encalço com a espumadeira de ferro na mão. Rindo muito, corre pra dentro do quarto com a toalha caindo ao chão, deixando aparecer as nádegas de cor contrastante com o resto do corpo, devido a falta de sol. –Bunda branca! Diz Helena não se contendo de rir. Você precisa ir naquelas praias onde o povo fica tudo pelado, praia de nudismo, pra deixar de ser furta-cor. Diz ela a guisa de deboche, rindo a valer.

Arruda sempre fica sem camisa e de calção dentro de casa. Para jogar bola, a mesma coisa. O sol queima o torso, mas, onde o calção protege fica claro. Ele conhecera Helena na empresa onde trabalhava numa subsidiária da Vale, na Mina de Córrego do Meio. Ele era mecânico de bombas e ela era estagiária de segurança do trabalho. Certa vez estava ele sentado no refeitório almoçando e batendo papo com os colegas, quando ela entrou, com o uniforme azul da empresa. Todos pararam para olhar aquela mulatinha linda, de olhos ligeiramente amendoados, cintura fina, queixo voluntarioso, perfeita nas formas. Andava como uma tigresa no trajeto da porta até o balcão onde pegaria o prato e os talheres. Sabia que chamava a atenção dos homens e que estava sendo observada. Quando tinha ainda seus quinze anos, se sentia encabulada com os olhares de admiração dos homens. Agora, mais amadurecida, sabia tirar proveito da situação. Como se estivesse sozinha no mundo, vai se servindo devagar, parando frente as bandejas do selfservice do refeitório e se servindo com movimentos vagarosos,medidos. Gostava daquela situação que provocava quando estava frente a um bando de marmanjos. Ela acabara de se servir, se vira, olha para os lados procurando uma mesa com cadeira vazia que pudesse se sentar.

Um dos homens, Giba, mais intrometido, vai logo arrastando uma cadeira para o seu lado dizendo: -Senta aqui, princesa. Ela se vira, olha para ele,sorri e sussurra um “muito obrigada”, se encaminhado para se sentar na cadeira ofertada. Ele não acredita que ela vá se sentar. Ela chega, para ao seu lado, puxa a cadeira com o pé e se assenta. A atitude de Giba foi a de um cachorro que late para um automóvel que passa e se o automóvel para, ele não sabe o que fazer, pois não vai morder a lataria do veículo. Ele sempre se metia afazer gracejos com mulheres, mas, nunca nenhuma delas havia lhe dado bola. Então, ele ficou calado, comendo em silêncio e os companheiros se divertindo a valer com a situação. Ela viu a situação causada e se segurava para não rir da cara dele. Giba suava grandes bagas de suor, como se estivesse dentro de uma caldeira. Comia rapidamente, louco para sair de dentro do refeitório. Quando finalmente se levantou, e foi depositar a bandeja no balcão, soltou um suspiro de alivio, saindo apressadamente para o ar puro lá de fora. Arruda ainda ficou lá dentro fazendo hora, comendo e olhando de soslaio a garota fascinante sentada a sua frente. Os outros

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