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O Golpe 1964

Por:   •  14/12/2017  •  2.481 Palavras (10 Páginas)  •  351 Visualizações

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Figueiredo não apenas recusou as teses que procuraram entender o golpe como resultado da ação política orientada por interesses de classe que articulou setores empresariais e militares, mas atribuiu a responsabilidade pelo golpe tanto aos que o deram quanto às forças que defendiam as reformas e foram atingidas pelo golpe.[7]

Figueiredo esboça, com sua tese, pela primeira vez a “operação revisionista” que no 40o aniversário do golpe se apresentou como dominante no meio acadêmico brasileiro. Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis Filho vêm para respaldar as proposições da autora, ao concordarem que, na conjuntura de 1964, todos os agentes relevantes do processo político estavam comprometidos com o golpismo: militares, setores de direita e de esquerda, e o próprio Goulart.

Dado este panorama mais geral com relação a historiografia sobre o golpe e a ditadura, é possível, então, passar às principais polêmicas que costumam opor essas duas vertentes. As questões escolhidas referem-se a a) inevitabilidade do golpe, o suposto golpismo da esquerda e o contragolpe da direita; b) adjetivação do golpe e do regime que o seguiu como “militar” ou “civil-militar”; c) existência ou não de grupos de resistência antes do e durante o regime; d) periodização do regime e a tentativa de alguns historiadores de encurtá-lo; e) Lei da Anistia e os silenciamentos que a vêm acompanhando.

Marco Villa é um dos historiadores que afirma que ambos os lados (esquerdas e direita) queriam chegar ao poder através de um golpe, pois nenhuma das forças estavam comprometidas com os valores democráticos. Toledo critica essa visão de golpismo ao dizer que nem todos estavam em igualdade de condições em termos de responsabilidade pela destruição da democracia.

Jorge Ferreira, apesar de não utilizar o termo golpismo, também defende que havia um reduzido compromisso das esquerdas brasileiras com a questão democrática:

Defendendo ‘a qualquer preço’ a realização de reformas sociais e econômicas, as esquerdas se dispunham, inclusive, a adotar soluções não democráticas a fim de que as mudanças na sociedade se efetivassem.[8]

Leandro Konder é um autor também partidário do golpismo: o golpismo da esquerda se manifestaria no apoio de Luis Carlos Prestes à proposta da reforma da Constituição de 1946, visando à reeleição de Goulart.

A principal crítica à ideia do golpismo é que, segundo Caio Toledo, ela endossa uma visão conservadora e reacionária do golpe de 1964. Não há fontes até hoje que comprovem qualquer tipo de plano de golpe organizado pelas esquerdas ou por Goulart: o presidente, hesitante, não tinha como planejar um golpe com forças incompetentes, não ofereceu nenhuma resistência aos revoltosos militares mineiros, preferindo a “capitulação do exílio” a ter que testemunhar um guerra civil.

Jorge Ferreira defende que Brizola era um dos principais, senão o principal líder da esquerda naquele momento, sintetizando a visão e a atuação não democrática: era radical, sectário, intolerante, pregando a revolução e defendendo a ruptura institucional. Enquanto isso, a direita é por ele retratada sempre como “reagindo” à radicalização da esquerda, “‘assustada’ com o ‘radicalismo’, praticamente um vítima daquelas circunstâncias”[9] – esta vertente também entende que o golpe dado pela direita teria sido, na verdade, um contragolpe. Para Caio Toledo, no entanto, Leonel Brizola, assim como outras lideranças da esquerda, como Francisco Julião e Luis Carlos Prestes, produziram, com seus inflamados discursos, nada mais do que bravatas, “sem nenhuma eficácia em termos de arregimentação e organização política dos setores populares”[10].

Reis Filho, na mesma linha de Jorge Ferreira, retrata a direita como uma força reativa à radicalização da esquerda, “enquanto as alas radicais desta são acusadas de terem uma ‘visão instrumental da democracia’. Já Elio Gaspari afirma que “havia dois golpes em marcha”. Os críticos a essa visão defendem que não há evidências, fontes confiáveis e/ou suficientes que provem essa possibilidade do golpe de esquerda, ao passo que é comprovável que as conspirações golpistas da direita vêm desde os anos 1950.

Uma outra questão que gera discordância é relativa à adjetivação do golpe e da ditadura: grande parte dos historiadores, afirma Demian Melo, insistem na sua natureza “civil-militar”. René Dreifuss foi quem caracterizou, primeiro, o regime desta forma, no entanto, ao que parece, o sentido da expressão vem sendo utilizado de maneira bastante distinta atualmente. Em Dreifuss, o elemento “civil” aparece com um recorte de classe, ligando-se à participação de interesses classistas na articulação golpista e no caráter do regime. A historiografia mais recente que deturpou o elemento “civil” é devida a uma mistificação deste termo, ao atrelá-lo a uma cumplicidade da sociedade brasileira com o regime autoritário. Nessa forma de pensar, a sociedade seria uma entidade una e homogênera, reificada – o que, no final das contas, não faria mais do que “reabilitar a mitologia criada por aqueles que assaltaram o poder em 1964, segundo a qual a intervenção militar se fez por ‘exigência do povo brasileiro’”[11].

A pergunta, afinal, seria “a sociedade apoiou ou não apoiou a ditadura”? Nessa direção, Reis Filho elenca três argumentos para provar que sim: as Marchas com Deus, pela Pátria e pela Família, organizadas em São Paulo e no Rio de Janeiro, antes e depois do golpe respectivamente; as expressivas votações na Arena, o partido de apoio à ditadura; e, ainda, a suposta popularidade do presidente general Médici, entre 1969-1974. Aqueles contrários a essa visão limitam-se a criticar a crítica das fontes feita por Aarão, afirmando que, apesar das marchas, que existiram, não leva-se em consideração uma série de informações de pesquisa de opinião pública em março de 1964, que revelam a popularidade do governo Goulart e se suas propostas reformistas; já o argumento da votação na Arena, não leva em conta que “parte não desprezível da oposição ao regime pregou o voto nulo como forma de denunciar a farsa de ter de escolher entre o partido do ‘sim’ (Arena) e o do ‘sim, senhor’, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), oposição consentida”[12]; e ainda sobre a popularidade do general Médici, critica-se que Aarão não toma em conta o fato de as pesquisas de popularidade terem sido feitas sob um regime de repressão.

Com relação à resistência à ditadura, o argumento do “déficit democrático” vem ganhando ares, na leitura de Reis Filho, de uma condenação

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