Leandro Ribeiro - História e Antropologia
Por: Kleber.Oliveira • 23/5/2018 • 1.485 Palavras (6 Páginas) • 351 Visualizações
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O muçulmano, bem como todo praticante de qualquer religião no mundo, não precisa ser necessariamente um fundamentalista - mas certamente, em qualquer religião, pode-se encontrar fundamentalistas - assim como o fundamentalismo, ao contrário do que muitos pensam, não precisa ser sinônimo de terror. Um dos grandes problemas do fundamentalismo é que a presença estrangeira trouxe ao Islã uma fé, uma presença econômica e um domínio que agridem a religião. Mas é absolutamente errada, a ideia de que o mundo islâmico é fundamentalista. Tomar o mundo islâmico como fundamentalista, é produzir e compartilhar um preconceito tradicional, com base fortíssima na sociedade ocidental, mas que não encontra nenhum amparo no estudo histórico prático.
Edward Sayd, escritor britânico, recentemente falecido, costumava questionar sobre a capacidade do Ocidente, de criar um estereótipo para o muçulmano. Segundo ele, existe uma tendência ocidental em venerar os feitos de apenas um lado da História e endemonizar os feitos do outro. Exemplo disso seria o filme 300, de Frank Miller, que reconta a história de um exército de espartanos – verdadeiros kamikases - que, mesmo sabendo da impossibilidade de vencer a guerra contra uma imensa legião de soldados persas, não titubeia e luta heroicamente, abraçando a morte com orgulho e devoção. Não teriam tido esta mesma certesa da morte e esse mesmo orgulho e devoção, os sequestradores que jogaram os aviões contra as Torres Gêmeas em Nova Iorque, durante o 11 de setembro? Afinal, em ambas as situações, lutavam por liberdade e sobrevivência, não é? Porque, então, um islâmico que mata – e se mata - pelo que acredita é um fanático fundamentalista, enquanto o rei Leônidas e seus 300 guerreiros são chamados de heróis? Há alguns anos, quando um jovem invadiu uma escola municipal em Realengo, Zona Oeste do Rio de Janeiro, matando diversas crianças a tiros e sendo morto, em seguida, tal fato foi atribuído a um desequilíbrio mental – e isso acontece com frequência, nos EUA, vide o atentado em Oklahoma. John Lennon, John F. Kennedy e Mahatma Gandhi também foram mortos por “portadores de problemas neurológicos extremos”. Em cada caso, tratava-se de apenas um indivíduo, motivado por uma causa ou angústia, descartando-se, portanto, a hipótese de uma questão sociológica, correto? Não obstante, quando há notícias de violência no Oriente Médio, ou algo relacionado ao islamismo, nunca se trata do desequilíbrio de um indivíduo, mas sim, de um problema coletivo e civilizacional, uma questão social, cultural e religiosa. Dificilmente alguém poderia recordar os nomes dos homens que faziam parte do grupo responsável pelo ataque do 11 de setembro de 2001. A mídia sempre se referiu a eles como “terroristas muçulmanos” ou “extremistas islâmicos”. Quando o IRA explode um pub, matando gente em Londres, a expressão usada é “radicalismo político”, e não “terrorismo católico”. Quando alguém explode uma mesquita no Iraque, chamamos de “radicalismo religioso”. Ou seja, existe aí, um conceito pré-estabelecido, diante dos fatos.
A grande verdade é que mata-se no Oriente Médio, em nome da religião, mas também mata-se no Ocidente, pela mesma causa. A diferença é que os nossos assassinatos parecem ser uma questão isolada, ou promovida por loucos, enquanto, no lado do outro, trata-se sempre de uma questão endêmica. Seja como for, o fato é que existe aí um choque de civilizações, entre áreas avessas à ocidentalização, à democracia e aos direitos individuais, e áreas simpáticas ao habeas-corpus, à liberdade de expressão, etc. E esse fato acaba por disseminar a ideia, nascida de um preconceito, de que o Islã é um universo que não pode ser absorvido pela cultura ocidental, ou seja, o mesmo que dizia-se dos indígenas, no século XVI, ou dos negros africanos, entre os séculos XVI e XVIII. Quando muito, podem ser beneficiados pelas luzes da civilização!
Propaga-se o etnocentrismo, recusando veementemente a alteridade!
A intenção aqui está longe de justificar tão bárbara atitude, uma vez que assassinato - ou assassinatos em massa - é algo injustificável em diversas culturas, mas sim mostrar que, quando se trata do outro, qualquer causa tem dois pesos e duas medidas. Minhas crenças são sempre mais importantes do que as crenças do outro. Essa idéia de que o problema reside no outro, faz com que o nosso etnocentrismo, a nossa fascinação pelo “eu”, encontre motivos para tratar ações alheias como fanatismo, enquanto que, comigo, nada mais é do que um exercício satisfatório. Por outro lado, a extraordinária resposta do povo francês ao banho de sangue perpetrado pelos terroristas dias antes, nos remete obrigatoriamente aos valores e palavras que inspiraram os revolucionários de 1789: liberté, igualité, fraternité. O combate implacável ao terrorismo só será bem-sucedido se acompanhado por um compromisso integral com a democracia e o secularismo republicano. Os princípios básicos da Revolução dos Direitos Humanos – também conhecida como Revolução Francesa – estavam embutidos em cada edição do Charlie Hebdo, transformando o lápis em poderoso símbolo da liberdade de expressão.
A bem da verdade, a formação democrática pós Revolução Francesa, nos obriga a concordar com o direito do outro de dizer qualquer coisa. Pois a discordância de idéias faz parte da democracia.
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