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Elucubrações Acerca do Conceito de Alteridade

Por:   •  26/6/2018  •  2.539 Palavras (11 Páginas)  •  249 Visualizações

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“A vida que os ancestrais levaram adiante na história é a mesma que está ativa nos vivos" (Johansen, 1954:163). Johansen introduz assim um contraste maori ao senso histórico ocidental, análogo à hábil crítica feita por Furet à histoire événementielle enquanto cliente necessária de ideologias finalistas, não havendo outro modo de tornar os acontecimentos inteligíveis quando são concedidos como irrupções do "único e do novo na concatenação do; tempo" (1972:54). Para os Maori, esses eventos estão longe de serem únicos ou novos; ao contrário, são imediatamente percebidos dentro da ordem recebida da estrutura como sendo idênticos aos originais”. (SAHLINS.1990, p. 82). Assim, encontramos amparo na afirmação de Parmênides o Ser é. O Ser encerra, portanto, igualmente tudo que é, numa unidade perfeita. O ser guarda em si toda essa dimensão simbólica dita anteriormente. Pois, ele fixa em si atribuídos herdados de uma dada cultura e tais atributos são naturalizados e estabelecem traços de identidade. O Ser amarra junto tudo que é, “pois de todo lado igual a si, se estende nos limites por igual” (PARMENIDES. 2006, VIII, 49) e “é todo pleno do que é. Por isso é todo contínuo: pois ente a ente acerca” (PARMENIDES. 2006, VIII, 24 e 25) .

“O mundo maori desdobra-se enquanto eterno retorno ou manifestação recorrente da mesma experiência (cf. Elíade, 1954). Esse colapso do tempo e do acontecimento é mediado para os Maori por um terceiro termo: tikanga, a ação peculiar de seres e coisas que vem de suas naturezas específicas” (SAHLINS 1990. p. 82). Essa problemática, que é uma das questões essenciais da filosofia, qual seja à ação do tempo sobre as coisas, e para essa discussão Heráclito é filósofo mais indicado. Uma que vez, que para ele, o ser é múltiplo e todas as coisas mudam sem cessar, por isso, para ele, o princípio de todas as coisas era o fogo que abriga em si o conflito, a convergência e a divergência. "O fogo primordial - que Heráclito também chama de lógos - é aquilo que, por sua própria natureza e força interna, se transforma em todas as outras e é nelas transformado sem cessar". (CHAUI p. 68-69 1994). Para o filósofo, cada coisa traz em si o seu oposto e gera o seu oposto. Tudo muda porque tudo está mergulhando no fluxo constante da temporalidade. Ninguém escapa da das águas desse rio. Tudo é constituído pelo tempo e, portanto, tudo muda, tudo flui. As coisas estão em perpetua transformação ou mudança. Tudo está em eterno movimento. Para Heráclito, tudo é contradição, pois nada permanece idêntico a si mesmo, tudo muda e cada coisa traz em si o seu contrário e gera o seu contrário. Como exemplo: o dia traz em si a noite e a noite traz em si o dia.

Para os maori o tempo tem uma outra representação: "se o presente reproduz o passado, é porque os habitantes desse mundo são instâncias dos mesmos seres que os precederam. Essa relação da classe ao indivíduo é a própria noção da descendência, isto é, da relação de ancestral a descendente, e como já se sabe o universo inteiro é para os maori uma parentela compreensiva de ancestralidade comum. Caso ontológico, devemos ter cuidado, como Johansen nos avisa, ao imputar aos maori nossas ideias próprias sobre evento e experiência: "Nós achamos perfeitamente óbvio que uma vez ocorrido um evento ele jamais retornará, porém, isso é exatamente o que acontece" (1954:161). Assim, são justamente as experiências do passado a maneira pela qual o presente é vivido". (SAHLINS 1990. p. 83). Essa lógica não dialoga diretamente com Heráclito, mas insere um novo elemento para a continuação deste debate os Guarani-Kaiwás.

Em 2013, Maria Rita Kehl publicou um artigo na Folha de São Paulo: "O fio que dá sentido à vida." Neste artigo, a autora descreve a realidade dos Guarani-kaiowás uma tribo brasileira do Mato Grosso do Sul que se recusa a abandonar 'suas terras' mesmo sob constantes ameaças. A noção da descendência, para eles é fundamental e este vínculo, essa relação com seus ancestrais, não se rompe com a morte deles. E esta é a razão pela qual eles permanecem na terra: "eles não admitem abandonar seus mortos. Que por sua vez foram assassinados porque se recusavam a abandonar a terra de seus mortos mais antigos e assim por diante". (KEHL.2013 p.1). Para eles, a comunicação com seus os mortos não se rompe com a morte. Mas "ao contrário: os vivos continuam a se relacionar com os que se foram. Continuam ligados não apenas à memória dos mortos, como nós, mas ao terreno onde morreram e foram enterrados, pois ali eles ainda estão. Não se abandona a terra que abriga os corpos dos antepassados, dos companheiros e filhos, dos que morreram de velhice, de doença ou de tiro, ao proteger o mesmo cemitério indígena onde repousam antepassados ainda mais remotos" (KEHL.2013 p.1).

Sendo assim, o impasse se dá por conta dos índios não abandonarem 'suas terras', seus antepassados, seu modo de vida, sua cultura. Enquanto que os fazendeiros querem expandir sua plantação de soja os índios desejam preservar seu solo sagrado. É possível traçar um paralelo com o filme do cineasta do alemão Herzog, "Onde Sonham as Formigas Verdes", no filme uma empresa de mineração inglesa tem por objetivo fazer pesquisas geológicas a fim de explorar os recursos de um lugar tido como sagrado para os aborígenes. As cenas vão justamente evidenciar esse embate de cultura e moralidades distintas que fazem parte de uma trama no qual a dimensão objetiva e a dimensão ontológica ou simbólica entram em conflito.

O filme que é uma ficção pode ser entendido num sentido restrito, como a ordem simbólica e a realidade descrita, a partir da situação dos Guarani-Kaiowás, entendida como a ordem objetiva. Essas duas descrições podem servir como duas dimensões que operam como mecanismos sociais para descrever diferentes realidades que se comunicam e convergem para uma reflexão sobre alteridade e estranhamento e se traduzem em dois discursos diferentes um voltado para imaterialidade ou a ordem simbólica e outro para uma realidade material objetiva centrada em interesses econômicos.

O que os Guarani-Kaiowás "reivindicam não é a propriedade, é o pertencimento. Não é a terra "deles", embora saibam que a lei do branco exige papel passado. Não é a propriedade, é a terra à qual eles pertencem"(KEHL.2013 p.1). Eles estão inseridos numa lógica que é avessa, contrária à dos fazendeiros ou exploradores de terra em geral, o que une eles a terra é o vínculo estabelecido com seus parentes e isso dá sentido à vida deles. Porém, "essa língua é mais estrangeira

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