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A CRÍTICA DA RAZÃO INDOLENTE: CONTRA O DESPERDÍCIO DA EXPERIÊNCIA

Por:   •  8/6/2018  •  1.919 Palavras (8 Páginas)  •  342 Visualizações

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As tendências seculares, que são a temporalidade da transição, têm de ser reduzidas, enquanto representação social, à duração do ciclo da vida humana, a fim de que as lutas paradigmpaticas sejam politicamente eficazes. Dado este condicionalismo, poderá ser necessário conceitualizar essas lutas como lutas paradigmáticas (contradições internas), mas conduzi-las como se fossem subparadigmáticas (excessos e défices). A luta paradigmática é, portanto, uma utopia cuja eficácia pode residir nos recursos intelectuais e políticos que fornece às lutas subparadigmáticas. Assim, a discussão paradigmática do direito moderno, em conjunto com a da ciência moderna, irá esclarecer os termos e as direções possíveis da transição para um novo paradigma social.

O Estado e o sistema mundial

A absorção do direito moderno pelo Estado moderno foi um processo histórico contingente que, como qualquer outro processo histórico, teve um início e há-de ter um fim. Enquanto os países centrais tenderam a ser externa e internamente fortes, externamente rígidos e internamente flexíveis, os países periféricos tenderam a ser fracos externa e internamente, externamente flexíveis e internamente rígidos.

O Estado nunca deteve o monopólio do Direito. Por um lado, os mecanismos do sistema mundial, atuando num plano supra-estatal, desenvolveram as suas próprias leis sistêmicas, que se sobrepuseram às leis nacionais dos Estados particulares do sistema mundial. Por outro lado, paralelamente a este direito supra-estatal, subsistiram ou surgiram diferentes formas de direito infra-estatal: ordens jurídicas locais, com ou sem base territorial, regendo determinadas categorias de relações sociais e interagindo, de múltiplas formas, com o direito estatal.

A constelação jurídica das sociedades modernas foi, assim, desde o início constituída por dois elementos. O primeiro elemento é a coexistência de várias ordens jurídicas (estatal, supra-estatal, infra-estatal) em circulação na sociedade. E o segundo elemento, igualmente importante, é o Estado nacional ao conceber a qualidade de direito ao direito estatal, negou-a às demais ordens jurídicas vigentes sociologicamente na sociedade.

Para des-pensar o direito num período de transição paradigmática, deve forçosamente começar-se por separar o Estado do direito. Essa separação é uma condição necessária, mas não suficiente, para a recuperação do potencial emancipatório do direito, já que tão importante quanto essa separação é a direção que ela toma. E essa separação é relativa, isto é, não colide com o reconhecimento da centralidade do direito estatal no sistema inter-estatal; apenas põe em causa a expansão simbólica dessa centralidade: passar do protagonismo do direito estatal, numa constelação de diferentes ordens jurídicas, para o de único ator numa ordem jurídica monolítica exclusivamente regulada pelo Estado.

O direito e a sociedade política

Para Hegel, a nação é o equivalente “racional” do Estado, a base social da sua legitimidade e da sua força; para constituir a base do poder do Estado, a nação tem de estar privada de qualquer poder que não seja o poder do Estado idealizada pelo dualismo Estado/sociedade civil que, no século XIX, as ciências sociais reconstruíram analiticamente.

Os muitos processos sociais (divisões étnicas, culturas locais, pluralidade jurídica, etc) que ficaram excluídos da sociedade civil, tão abstrata e limitadamente definida, foram transformados pelas potências hegemônicas em fatores explicativos da “debilidade” da sociedade civil dos Estados periféricos e semiperiféricos no sistema mundial. A dicotomia Estado/sociedade civil ocultou a natureza das relações de poder na sociedade e é indiscutível que o direito contribuiu decisivamente para isso. Essa dicotomia desencadeou uma relação dinâmica entre os dois conceitos que, em termos gerais, pode ser caracterizada como uma absorção recíproca e constante de um pelo outro.

A absorção recíproca implica, pois, dois processos diferentes: a reprodução da sociedade civil na forma de Estado e a reprodução do Estado na forma de sociedade civil. A expansão do Estado na forma de sociedade civil é a característica mais saliente do Estado capitalista nos países centrais, no período do capitalismo desorganizado. A lógica privada, que é quase sempre a lógica do lucro, combinada com a ausência de controle democrático, não pode deixar de agravar as desigualdades sociais e políticas.

Entre a utopia jurídica e o pragmatismo utópico

Quando à ideia moderna de progresso foi transformada na ideia de uma contínua e infinita repetição da sociedade burguesa, criou aquilo a que poderia chamar-se o dilema do futuro: todos os futuros seriam possíveis desde que estivessem contidos num mesmo futuro capitalista. Tanto as ciências sociais como o direito foram chamados a resolver este dilema, e expressões como “ordem e progresso” e “mudança social normal” resumem a tendência geral das soluções encontradas.

A meio caminho entre o saber regulatório (ordem) e a ignorância regulatória (caos), o direito estatal disponibilizou-se para ser tanto a substituição da ciência como a pré-compreensão do conhecimento científico ainda não desenvolvido. Esta dupla disponibilidade do direito estatal esteve na origem da sua transformação em utopia, uma utopia muito específica.

Esta utopia jurídica foi o motor da mudança social normal. A credibilidade social da mudança social normal assentou em dois aspectos. Em primeiro lugar, a mudança social normal cobria uma ampla variedade de transformações de tal modo diversificadas e fragmentadas que era impossível evidenciar lhes uma tendência geral ou uma direção global. Em segundo lugar, a eficácia do direito podia ser de caráter instrumental e de caráter simbólico. Uma lei pode ser promulgada para ser aplicada e produzir efeitos num dado domínio social (educação, saúde, fiscalidade), caso em que terá eficácia instrumental, ou apenas para produzir como efeito o fato de haver uma lei sobre um dado domínio social e esse fato ter impacto público independentemente de se saber se a lei é ou não aplicada,caso em que terá eficácia simbólica.

Esta construção jurídica da mudança social normal teve duas grandes implicações políticas. A primeira foi que, devido à opacidade (densidade) da direção global, as mesmas políticas reformistas puderam ser razoavelmente defendidas por determinados grupos sociais como sendo políticas anticapitalistas e por outros como sendo

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