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A Inesperada Virtude da Ignorância

Por:   •  16/11/2018  •  1.381 Palavras (6 Páginas)  •  341 Visualizações

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Um corte evidente na montagem se mostra, Riggan, está no hospital, desfigurado, pois atirou em seu nariz. Iñarritu brinca e frustra nossas expectativas lógicas, e nos guia apenas pelas imagens: não sabemos se houve suicídio ou se este epílogo é apenas uma fantasia pré-morte, no entanto, a lógica subjetiva de Riggan se mantém. A peça é aclamada pelo seu ultrarrealismo, Riggan obtém prestígio, é acolhido pela ex mulher, e principalmente, pela filha. Ao olhar-se no espelho sem os curativos, seu nariz, a fratura, remete fortemente ao bico de um pássaro. A integração à Birdman está quase completa.

Dado isto tudo, Riggan completa seu caminho em busca de Birdman: em direção à janela, sai voando, pelas asas do homem pássaro. Num dos finais mais simbólicos e reflexivos do cinema, sua filha, a personagem de Emma Stone, entra no quarto. Ao procurar seu pai na janela, seu olhar possui apenas uma direção: acima e contemplativo, de certa forma traduzindo uma felicidade e alívio. Outra vez, Iñarritu nos mostra o quanto a realidade objetivamente percebida tem papel secundário em sua trama: o provável suicídio não nos interessa, o que interessa é o foco da nossa análise, o foco do olhar – literalmente. Birdman existiu, a emergência do verdadeiro self se constituiu a partir do olhar do outro. Birdman integrou-se.

Nesta fábula moderna, Iñarritu trouxe questões que estão além das demandas psicológicas elevadas do show business, mas que são mote das relações contemporâneas: baseada na imagem, na aparência, na liquidez dos afetos e da relevância social. Esta denúncia se dá tanto pela imagem do bastidor por trás da riqueza de imagens que apresentamos (nosso “falso self coletivo”), mas também por em algum determinado ponto de liminaridade de nossas vidas aparecer o desejo mais profundo: queremos, necessitamos, ser amados, queridos, reconhecidos. Estar em consonância com nossa identidade, mas constituirmo-nos pela percepção do outro, também. A arte, apesar de dar voz ao nosso viver criativo, ainda está amarrada as concepções sociais vigentes em um determinado tempo e espaço. Seja Hollywood, a Broadway, ou os palcos de nossas relações, que agora também podem ser mais descartáveis, haja visto as virtualidades, ainda, que, no íntimo dos nossos bastidores, queiramos ser desejados, amados, importantes.

Ainda um último elemento analisado separadamente, encontra paralelo principalmente na literatura: a morte/suicídio. Riggan encontrou sua “hora da estrela”, tal qual a personagem sem vida e personalidade Macabéa, do livro de Clarice Lispector, onde a morte foi o processo existencial mais significativo da vida da personagem. Também, se no século XVIII Goethe nos apresenta o suicídio de Werther, que influenciou uma onda de leitores a cometerem o ato, como uma fuga à falsa existência sem a mulher amada, o homem do século XXI de Iñarritu, frente a tantas demandas e identificações sociais, faz do suicídio sua fuga ao falso self, e busca o objeto que não é a mulher idealizada dos ultrarromânticos, mas o próprio eu, que encontra-se perdido devido a tanta complexidade em nosso pensamento e vivência sob a luz da modernidade. Queremos ser o objeto amado e desejado. Através de uma luz de realismo fantástico, Iñarritu nos exorciza o homem kafkiano moderno, buscando seu caminho, mesmo que o preço seja o fim da estória (aquela objetivamente percebida) construída de si mesmo.

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