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Oralidade: o saber ignorado

Por:   •  22/5/2018  •  1.774 Palavras (8 Páginas)  •  248 Visualizações

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Todos os saberes dos povos indígenas – das centenas de etnias presentes no continente à época da invasão – foram desconsiderados pelos invasores europeus. É parte do processo de colonização do território e de suas sociedades, identificado como colonialidade do saber.[9]Segundo Catherine Walsh, a colonialidade do saber é:

(...) el posicionamiento del eurocentrismo como la perspectiva única del conocimiento, la que descarta la existencia y viabilidad de otras racionalidades epistémicas y otros conocimientos que no sean los de los hombres blancos europeos o europeizados. Esta colonialidad del saber es particularmente evidente e nel sistema educativo (desde la escuela hasta la universidad) donde se eleva el conocimiento y La ciência europeos como el marco científico-académico-intelectual.[10]

Analisaremos agora, uma expressão oral da cultura guarani, constituída há séculos – ou milênios – e que foi sistematicamente anulada pelos europeus. Os guaranis viviam em uma grande região que hoje é delimitada por estados fronteiriços de quatro países (Sul e sudeste do Brasil, Uruguai, Paraguai e norte da Argentina), na densa floresta que cobria o território. Percorriam diversos “caminhos”, conhecidos como Peabiru, cujo nome quer dizer “caminho e grama amassada” é entendido como um conjunto de “caminhos” ou “trilhas” bastante extensos que existiram por muitos séculos em regiões de densa vegetação e utilizados por diversos povos.[11]

Outra característica era a crença da Terra Sem Males, que correspondia a existência de um lugar com abundância de alimentos, sem guerras, sem doenças, etc. razão pela qual estavam sempre peregrinando – utilizando os caminhos do Peabiru. Enquanto “povos da floresta” os guaranis não desenvolveram um sistema de escrita e nem mesmo algo similar (como o sistema imagético desenvolvido pelos maias, astecas e outras sociedades mesoamericanas). Porém, dada suas características formatadas como resposta ao meio-ambiente que viviam, repassavam seus conhecimentos e suas crenças através da oralidade. Para os Guaranis, a palavra era algo tão fundamental, que era o cerne de sua própria existência. Segundo o “cântico”Ayvu Rapta,[12] a linguagem e as palavras eram sagradas:

El verdadero Padre Ñamandu, el primero,

de una pequeña porción de su propia divinidad,

de la sabiduría contenida en su propia divinidad,

y en virtud de su sabiduría creadora

hizo que se engendrasen

llamas y tenue neblina.

Por haber ellos asimilado

La sabiduría divina de su propio Primer Padre;

Después de haver asimilado el lenguaje humano;

Después de haberse inspirado en el amor al prójimo;

Después de haber asimilado las series de palabras del himno sagrado

Después de haberse inspirado en los fundamentos de la sabiduría creadora,

A ellos también llamamos:

Excelsos verdaderos padres de las palabras-almas;

Excelsas verdaderas madres de las palabras-almas.[13]

Todo um arcabouço de conhecimentos, tradições, crenças, medicinas, cânticos, resultado de séculos de construção coletiva pelos grupos nas aldeias guaranis e nos inúmeros contatos e migrações que realizavam, constituía no século XVI uma cultura consolidada. Podemos dizer mesmo que uma “biblioteca viva”. Porém, todo esse acúmulo de cultura foi ignorado pelos europeus. O intenso trabalho missionário dos jesuítas entre os guaranis é evidente ainda hoje pelos vestígios arquitetônicos dos “centros” religiosos construídos nas florestas. A língua guarani sobreviveu, mas os conhecimentos orais foram sendo substituídos pelos conteúdos trazidos pelos religiosos católicos:

A instrução alfabética promovida nas reduções, inicialmente voltada aos caciques, proporcionava as condições para que os guaranis elaborassem novas formas de expressão gráfica. Contudo, a escrita serviu, inicialmente, à reprodução do cânone religioso. Por certo, o trabalho letrado executado pelos índios, por muitos anos, foi direcionado para a tradução e adaptação de textos religiosos, mais do que uma atividade propriamente de expressão criativa.[14]

- Considerações Finais.

O reconhecimento da oralidade e da imagem como fontes históricas é algo recente e trouxe consigo um amplo arcabouço para historiadores debruçarem-se. Considera-se que este “atraso” no reconhecimento de outros recursos como fontes é, em parte, produto da própria cultura cristã-ocidental, pautada em uma “história de livros”. A escrita assumia o diferencial da superioridade cultural de um povo (no caso, os europeus), frente ao “outro” (fosse ele de cultura ameríndia ou africana).

Porém, cada cultura desenvolve-se a partir das interações espontâneas de cada povo e dadas as imposições do meio ao seu redor. Maias, Astecas e Incas foram civilizações que constituíram complexos sistemas de comunicação, como os códices e quipos. Através destes recursos, de imagens e de cordões com nós, era possível contar e registrar acontecimentos e fatos marcantes da história de seus povos. Estas mesmas civilizações constituíram ainda espaços de saberes, que poderiam ser interpretadas como escolas, inclusive, universidades. Porém, um padrão totalmente distinto da cultura europeia. Por estes motivos, os europeus não reconheceram estes saberes.

Outras etnias indígenas, não desenvolveram sistemas de registro de fatos e acontecimentos, mas transmitiam seus saberes às novas gerações através da palavra. Histórias e cânticos eram transmitidos de uma geração para outra através da recitação. Muitas vezes, trechos grandes, mas memorizados devido a repetição. Ou seja, também um recurso desenvolvido por estes povos – no caso deste estudo, os guaranis. Imaginamos, assim como Enrique Dussel, um possível encontro, estes sábios guaranis – pajés – dominando diversos conhecimentos medicinais, geográficos, crenças, frente à um colonizador (soldado, bandeirante) analfabeto, a taxá-lo de primitivo e reduzi-lo a escravidão.

A Terra Sem Males dos guaranis, que estaria localizada ao ocidente,

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