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O Trabalho de Campo - Roberto Da Matta

Por:   •  17/10/2018  •  2.074 Palavras (9 Páginas)  •  283 Visualizações

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O olhar do antropólogo é sempre informado teoricamente. Mas o que se vê não é “previsto”. Se assim fosse, não seria necessário pesquisar mais nada. Porém, aquilo que chamamos de realidade, para além de ser sempre culturalmente informado, e precisamente por isso, muda o tempo todo, dependendo do contexto, do momento, das pessoas, das relações, etc.

A Antropologia Social é a disciplina que mais tem posto em dúvida e em risco alguns de seus conceitos e teorias básicas. Novos repensares de teorias que passam a ser consideradas estreitas demais, novos dados de campo profundos e que forçam a uma abertura de instrumentos analíticos anteriormente utilizados. A Antropologia está sempre em “estado de dúvida teórica”.

Cada estudo (...) traz não só a possibilidade de testar todos os conceitos anteriormente utilizados naquele domínio teórico específico, como também o ponto de vista daquele grupo, segmento, classe social ou sociedade. E isso pode provocar novas revelações teóricas, bem como revoluções nos esquemas interpretativos utilizados até então” (p. 147).

Ex.: Tylor falava em religiões primitivas e em crenças das mais simples à Mais complexas; Durkheim e Mauss vão contra essa idéia quando estudam as formas elementares da vida religiosa (p. 147-148).

Também no campo dos estudos de parentesco se deu esse repensar a partir da substituição do paradigma evolucionista pelo funcionalista. A Antropologia deixou de se guiar pelo eixo do tempo.

Assim, na Antropologia há uma longa, saudável e já tradicional base pluralista pela qual os fenômenos humanos são estudados. Não há ídolos nem heróis na Antropologia, nem messias ou teorias indiscutíveis e patenteadas – há respeito pelas diferentes sociedades e culturas.

A Antropologia é filha do colonialismo. É marcada pelo cientificismo europeu. Mas tem crescido ao longo das lições aprendidas em outras sociedades, culturas ou civilizações [ou pelas diferenças internas a nossa própria sociedade ou culturas].

A Antropologia é uma ciência marcada pela experiência da viagem e do contato. Foi realizando um trabalho de “ver” e “ouvir”, ou aprendendo a ver e ouvir todas as realidades e realizações humanas que a antropologia aprendeu a escrever sobre os outros. E uma escrita que desnaturaliza e dês-exotiza.

A Antropologia tem sempre como ponto de partida a posição e o ponto de vista do Outro, estudando-o por todos os meios disponíveis. Se existem dados históricos, se usam; assim como fatos econômicos, material político etc. Nada deve ficar “de fora” da análise antropológica.

E a intermediação do conhecimento se dá pela relação entre nativo pesquisador [O olhar do pesquisador é teoricamente informado e as preocupações do estudo são dele; mas a maneira e representar – de “escrever” e assim “inscrever” realidade observada pode e deve sempre ser negociada com o nativo – e essa negociação não é algo “formal”, mas na própria prática da pesquisa se aprende como representar as realidades de uma maneira que seja coerente com os pontos de vista nativos, ainda que dialogando com as teorias da Antropologia (p. 150).

É função do antropólogo reconhecer de antemão a dignidade do “nativo”, a possibilidade de que ele fale por si a respeito de si próprio, de si mesmo. E é para chegar a essa postura, o ao menos próximo dela, que o etnógrafo empreende sua viagem e realiza sua pesquisa de campo. “Pois é ali que se pode vivenciar sem intermediários a diversidade humana na sua essência e nos seus dilemas, problemas e paradoxos.

Em tudo, enfim, que permitirá relativizar-se e assim ter a esperança de transformar-se num homem verdadeiramente humano” (p. 150).

2. O trabalho de Campo como um Rito de Passagem.

A iniciação na antropologia social pelo chamado trabalho de campo, está próximo aos ritos de passagem conforme os estudos de Arnold Van Gennep e Victor Turner (liminaridade e comunitas). Vivendo fora dos limites do seu mundo diário na sociedade por algum tempo, acabaram por ter o direito de nela entrar de modo mais profundo.

Antropólogos/as e iniciandos/as atualizam um padrão clássico de “morte”, “liminaridade” e “ressurreição” social num novo papel, tudo de acordo com a fórmula clássica dos ritos de transição e passagem. Novos aprendizados precedem a mudança de status. Noviços e antropólogos/as ficam predispostos a ser socialmente moldados, antes do seu renascimento social. Descobrem que a dignidade do mundo pode também ser encontrada na amizade e no companheirismo.

O trabalho de campo, como os ritos de passagem, implica, pois na possibilidade de redescobrir novas formas de relacionamento social, por meio de uma socialização controlada. Se todo o noviço tem um “padrinho” de iniciação, o/a antropólogo/a deve descobri-lo na forma de um/a amigo/a, informante, instrutor, professor e companheiro. Alguém que lhe ensinará os caminhos e desvios na sociedade que pretende estudar e que deverá socializá-lo como a uma criança. O/a pesquisador/a deve fazer o esforço para retornar a um estado infantil, de plena potencialidade individual.

Em etnologia, estamos diante de uma passagem maior do que o simples deslocar-se no espaço. A passagem implica num exercício que nos faz mudar o ponto de vista e, com isso, alcançar uma nova visão do ser humano e da sociedade no movimento que nos leva para fora do nosso próprio mundo, mas que acaba por nos trazer mais para dentro dele.

O autor nos propõe refletir sobre as ambivalências de um estado existencial onde não se está nem numa sociedade nem na outra, e no entanto, está-se enfiado até o pescoço numa e noutra.

A Antropologia estabelece uma ponte entre dois universos (ou subuniversos) de significação, e tal ponte ou mediação é realizada com um mínimo de aparato institucional ou de instrumentos de mediação, de modo artesanal e paciente.

O Medo de sentir o que a Dra Jean Carter denominou anthropological blues (experiências tematizadas nos blues dentro da tradição musical norte-americana), ou seja, descobrir os aspectos interpretativos do ofício do/a etnólogo/a. Incorporar aspectos extraordinários, que podem emergir no relacionamento humano durante o trabalho de campo como o sentimento e a emoção. Ou a tristeza e a saudade, que se insinuam no trabalho de campo causando surpresa ao/a antropólogo/a.

Roberto Da Matta diz que tudo indica que a intrusão da subjetividade e da carga afetiva que vem com ela, dentro da rotina intelectualizada da pesquisa

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