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Como a ciência vira técnica de investigação

Por:   •  31/7/2018  •  13.681 Palavras (55 Páginas)  •  241 Visualizações

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Ortega percebe, de forma um pouco diversa, o caráter peculiar das ciências modernas, percebe que em torno de Galileu todas as ciências são construídas na primazia de uma imaginação bastante peculiar, aquela que é definida por Ortega, como sendo uma imaginação exata[2]: uma imaginação que concebe figuras, relações e deduções rigorosamente matemáticas. De forma um pouco mais complexa, Husserl percebe na sua “história da Crise das ciências”, e Heidegger identifica na sua história da Metafísica que a essência da ciência moderna e da própria modernidade se torna visível no momento em que o “mundo” começa a ser re-apresentado, e isto, de maneira radicalmente matemática. Poderíamos dizer que, o mundo começa a tomar a forma de uma imagem matemática.

Compreender como o mundo se torna uma imagem matemática, a partir deste dois autores, e de forma bastante secundária - a partir também de Ortega, é o que me proponho a fazer neste escrito (posteriormente capítulo). Esta compreensão é necessária para a satisfação de uma das hipóteses de minha tese, a saber: a técnica moderna é fruto, reflexo ou desdobramento, direto deste modo de ser peculiar radicalmente matemático que se estabeleceu na era moderna. A técnica tal como pode ser compreendida hoje, só pôde nascer e se estruturar graças a um desdobramento peculiar da matemática. Mais que isso, defendemos que a própria técnica é o prolongamento deste modo matemático (moderno) de lidar com às coisas, com o mundo.

Falar de ciência é em certa medida falar na compreensão mesma da realidade, do mundo circundante. Mas como realidade se funda, como o mundo se faz realidade? Como se faz a adequação, ou a correspondência com o real? Aqui, tais questões devem entrar em jogo. O certo é que na modernidade há uma decisão acerca deste modo de ser de correspondência ou adequação com o real. Tal adequação ou correspondência, diz respeito à própria relação que a ciência estabelece com às coisas. Tal relação, que é certamente, algo que funda a realidade, ou que tradicionalmente estabelece o próprio conceito de realidade, diz também respeito à própria essência da verdade, como bem salientou Ortega em sua reflexão em torno de Galileu. Heidegger também assinala que está em jogo na modernidade uma certa decisão a respeito da verdade, marcada pela própria determinação da essência do ente em geral: do homem e das coisas. O problema reside no fato da “verdade decidida” na modernidade estar comprometida com uma adequação infundada ou dogmática. Neste sentido, fica claro para Heidegger, que a própria determinação da essência da época moderna está por isso encoberta até que a meditação sobre a verdade se instale por completo. Faz-se urgente meditar, instalar-se na determinação da essência da realidade da modernidade para entender, que “verdade” é esta, que concepção de verdade fundamenta as figuras essenciais da era moderna. Tal Meditação, é de saída uma meditação sobre a essência da verdade. E é sempre sobre a verdade que estaremos falando aqui.

PARTE I: Não entre aqui quem não souber matemática.

( Baseado em Heidegger: O que é uma coisa ?)

No seu escrito Heidegger não trata apenas de conferir uma reflexão grandiosa sobre tão importante conceito filosófico, trata essencialmente de explicitar a especificidade da questão acerca da coisalidade em face ao modo de ser científico. Porém Heidegger salienta logo de início que com a questão sobre a coisalidade não pretende nem substituir nem melhorar as ciências, pretende no entanto colaborar na preparação de uma decisão, em torno do seguinte questionamento: “ é a ciência o padrão de medida para o saber? Ou há um saber no qual, em primeiro lugar, se determinam os fundamentos e os limites da ciência Este saber determina sua eficácia própria?” (O que é uma coisa. p.21.) Mas por que razão, Heidegger é forçado a tal questionamento? Pois a resposta contemporânea a esta questão, dirá Heidegger, cria disposições e manifesta atitudes nas quais a decisão é inevitável, dado que o saber e o questionar chegaram a limites que indicam que falta uma relação originária com as coisas, e tal relação torna-se apenas ilusória com o progresso das descobertas e com os resultados da técnica” (oqc,p 47.). Para Heidegger, e veremos posteriormente, também para Husserl, tornou-se urgente questionar e refletir sobre que relação com às coisas é essa e como ela se estabeleceu e ainda pode se estabelecer nas ciências. Tornou-se também urgente questionar como tal relação pôde ser aceita e tornada a “única” e a mais “verdadeira” para a totalidade da vida do homem, e para a sua própria compreensão de seu sentido. Trata-se pois de reivindicar uma relação mais originária com as coisas.

Heidegger, no escrito “O que é uma coisa?”, conclui nos primeiros parágrafos do seu primeiro capítulo, que a resposta à questão se delineia tradicionalmente a partir de três compreensões ou determinações: 1) a determinação da coisa, como suporte de propriedades, resulta da experiência cotidiana, de modo natural. 2) a determinação da coisalidade, já foi fixada em filosofia, porque ela se apresenta também de modo totalmente natural. 3) a determinação da essência da coisa como suporte de propriedades é fundamentada pela própria essência da verdade, a qual do mesmo modo parece perfeitamente natural. Mas o que significa aqui natural? Natural aqui é o que parece evidente, o que já foi conhecido todos os dias.

Porém, questiona Heidegger, o que era natural para o homem do século XVIII pareceria totalmente anti-natural para o homem da Idade Média. Resulta que o que se diz de forma “natural” não é de forma alguma natural. Pois o “natural” é algo que possui sempre um caráter histórico. Assim Heidegger suspeita: deve ter havido um tempo em que pela primeira vez esta determinação, dita “natural” da essência da coisa se formou, tal fundamentação fundar-se-ia em pressupostos totalmente determinados.

Heidegger, ao descrever um breve histórico do conceito de coisa, ressalta que ao mesmo tempo, que uma certa tradição filosófica e científica “descobre” a coisa, ela descobre também a proposição, o enunciado, como uma, ou a relação mais verdadeira com às coisas. Foi deste forma que tal posicionamento descobre que a verdade, enquanto conformidade com às coisas, tem o seu lugar na proposição. Esta determinação da essência da verdade, dita “natural”, a partir da qual “damos prova de justeza da determinação da essência da coisa” (p 47), também não é nada natural! Neste sentido não pode ser evidente

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