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UM MENDIGO SHOW DE BOLA

Por:   •  3/12/2018  •  31.521 Palavras (127 Páginas)  •  269 Visualizações

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Já tinha alguns dias que Samuel repetia o mesmo ritual. Chegava por volta das seis e meia da manhã. Sentava-se debaixo do pinheiro e esperava. Gostava de ficar ali, pois detalhes do natal remetiam a ele boas lembranças. Isso o confortava por um tempo.

Quando um Peugeot branco manobrou para dentro do estacionamento da agência, o olhar do mendigo se iluminou.

A razão para tanto tinha cabelos ruivos lisos e compridos. Olhos verdes. Estatura mediana. Corpo delicado e um rosto que

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[Um mendigo show de bola], por [Águeda Faon]

parecia ter sido elaborado por um talentoso desenhista.

Chamava-se Bianca.

Desceu de seu carro trajando um terninho preto feminino e um scarpin vermelho. Após pegar sua bolsa e acionar o alarme, encaminhou-se para a entrada da agência.

As mãos de Samuel suavam frias simplesmente por contemplar a imagem da fascinante mulher de trinta e um anos de idade.

As mãos dele também tremiam, pois desde que vislumbrara Bianca pela primeira vez na saída de uma pequena cafeteria na Avenida Paulista, muitas de suas atitudes mudaram. A duras penas vinha tentando largar o vício do álcool, o que fazia seu organismo reagir severamente.

Talvez fosse a aparência excepcional dela. Mas ver Bianca funcionava como uma poderosa carga de motivação em Samuel. Após segui-la descobriu onde trabalhava; Porém, para se aproximar de sua musa inspiradora, decidiu que algumas coisas precisariam de mudança.

Depois de alimentar seus olhos mais uma vez, o mendigo pôs-se a caminhar com sorrisos bobos na direção do Parque Tenente Siqueira Campos, também conhecido como Parque Trianon, criando em sua mente um futuro fantasioso, onde Bianca e ele saíam juntos para comprar enfeites de natal novos para o lindo pinheiro de uma casa confortável que acabaram de comprar.

Quando chegou ao seu destino, para fugir do policiamento da entrada, encaminhou-se para a lateral. Com custo pulou o portão e se embrenhou no parque até se aproximar de um dos postes finos de luz existentes ali. Tinha de ser rápido, pois deixara suas poucas coisas do lado de fora para facilitar a missão.

Não sabia o porquê, mas às vezes tinha a sensação de estar sendo seguido. Possivelmente fosse o medo de descobrirem onde estava colocando suas economias dos últimos seis meses que o fizesse ter essa sensação. Ou não.

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[Um mendigo show de bola], por [Águeda Faon]

Após olhar para todos os lados, agachou-se perto do poste e começou a cavar com as pontas de seus dedos tiritantes a terra úmida, tornando-os ainda mais imundos. Após um tempo de escavação surgiu uma tampa de um pote de margarina de duzentos e cinquenta gramas, com o layout bastante gasto. Mais um pouco de trabalho e ele conseguiu extrair o pote inteiro.

Dentro havia a quantia de mil e oitocentos reais. Fruto de suas manhãs varrendo a frente de alguns estabelecimentos comerciais e de suas tardes mendigando no trânsito. Poderia ter guardado mais, se nos primeiros quatro meses não estivesse lutando piamente contra o seu vício perturbador.

Para prosseguir com seu plano acurado, precisaria dar um jeito de tomar um banho. Precisava também de roupas e sapatos novos.

Voltou a fechar o pequeno buraco escavado e encaminhou-se para fora do parque, pulando outra vez o portão. Suas coisas ainda se encontravam lá.

O futuro fantasioso voltou a surgir em sua mente. Desta vez ele imaginava uma mesa farta, a casa cheia de amigos, e Bianca abraçada a ele enquanto todos conversavam felizes numa sala aconchegante. Novos sorrisos bobos se instalaram em sua face enquanto caminhava novamente na Avenida Paulista.

Assim que chegou numa loja de roupas, deixou sua mala na porta e entrou segurando o pequeno pote de margarina. Não era nada acostumado com ambientes iluminados. Precisou adaptar seus olhos para aquele mundo distinto. Isso não o deixou ver o quanto as pessoas olhavam indignadas para aquele sujeito ignóbil invadindo um cenário tão cândido.

E mesmo depois elas continuaram imperceptíveis para ele. O foco no seu sonho não o permitia enxergar mais nada que não estivesse dentro dos seus planos para realizá-lo. Por isso perambulou feliz pela loja.

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[Um mendigo show de bola], por [Águeda Faon]

Todavia, algumas pessoas sentiram muito mais do que indignação...

Agora Samuel vivia um misto de realidade e fantasia. Imaginava Bianca ao lado dele, ajudando-o a escolher a camisa que iria comprar. Mentalmente chegava a lhe perguntar qual cor ela preferia.

Você tem razão, meu amor! O azul destaca meus traços. – falou o mendigo com sua ilusão.

No momento em que ele segurou o cabide com a camisa escolhida, ouviu:

- Levanta as mãos, malandro!

Forçado a emergir de seu paraíso pela voz imponente, Samuel olhou para trás. Seus olhos se depararam com um policial de expressões nada amigáveis apontando um revólver para ele.

Calma aí, polícia! – retorquiu Samuel. – Não estou fazendo nada de errado não!

- bom você colaborar, malandro! – disse o policial ainda mais impetuoso. – Larga a mercadoria e levanta suas mãos imundas!

Mas eu não estou fazendo nada de errado, polícia! – insistiu Samuel.

Vou contar até três para você levantar as mãos! – vociferou o policial.

Acostumado com a violência nas ruas, Samuel sabia que era cauto atender ao pedido do polícia, como ele chamava. Tomado pelo dissabor da situação, ele elevou os braços, deixando a mostra tanto a camisa quanto o pequeno pote de margarina.

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