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Poul Anderson - TAU ZERO

Por:   •  19/10/2017  •  63.175 Palavras (253 Páginas)  •  414 Visualizações

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Ela ofereceu a mão.

— Obrigada, senhor.

— O prazer foi meu, Miss Primeira Oficial Lindgren — respondeu o funcionário. — Que sua viagem seja bem-sucedida e que a senhora volte em segurança para casa.

— Se a viagem for realmente bem-sucedida — lembrou — jamais voltaremos para casa. Se voltarmos... — ela se interrompeu. Ele já estaria na sepultura. — Mais uma vez obrigada — disse ao homenzinho de meia-idade. — Até logo — disse aos jardins.

Reymont também trocou um aperto de mão e murmurou alguma coisa. Lindgren e ele partiram.

Muros altos obscureciam a calçada quase deserta mais adiante. Os passos soavam abafados. Pouco depois, a mulher observou:

— Eu me pergunto se o que vimos era mesmo a nossa nave. Estamos numa alta latitude. E nem mesmo uma espaçonave Bussard é suficientemente grande e brilhante para reluzir por entre o clarão do pôr-do-sol.

— Ela o é quando as redes do campo côncavo estão estendidas — disse-lhe Reymont. — E ontem se movia numa órbita oblíqua, como parte dos testes finais. Eles a trarão de volta ao plano eclíptico antes de partirmos.

— Sim, é claro, vi o programa. Mas não teria por que me lembrar exatamente quem está fazendo o quê com ela num determinado momento. Especialmente porque ainda demoraremos mais dois meses para partir. Será que você já está acompanhando agora todo o curso da nave?

— Sim, porque eu sou pura e simplesmente o policial.

A boca de Reymont curvou-se num sorriso forçado.

— E digamos que estou treinando para me preocupar em excesso.

Ela o olhou de esguelha. O olhar tornou-se um exame minucioso. Haviam saído numa avenida a beira-mar. Pelo caminho as luzes de Estocolmo foram se acendendo uma a uma, enquanto a noite emergia por entre casas e árvores.

O canal permanecia quase como um espelho e até então, além de Júpiter, havia poucos pontos luminosos no céu. Ainda era possível enxergar com facilidade.

Reymont agachou-se e puxou o barco que haviam alugado. Âncoras cativas prendiam os cabos ao concreto. Ele obtivera uma licença especial para atracar praticamente em qualquer lugar. Uma expedição interestelar era um acontecimento e tanto. Ele e Lindgren tinham passado a manhã numa viagem de recreio em volta do arquipélago... algumas horas entre o verde, casas como partes das ilhas em que se fixavam, velas, gaivotas e reflexos do sol entre as ondas. Existiria pouca coisa daquele tipo em Beta Virginis e nada daquilo nas distâncias a percorrer.

— Estou começando a perceber o quanto você é misterioso para mim, Carl — disse ela pausadamente. — Será assim para todo mundo?

— Eu? Minha biografia é conhecida.

O barco colidia contra a esplanada. Reymont saltou para a cabina. Mantendo o cabo esticado com uma das mãos, deu a outra a Ingrid. Para descer, ela não precisava inclinar-se muito sobre Reymont, mas foi o que fez. O braço dele quase não tremeu sob seu peso.

Ela sentou-se num banco junto da roda do leme; ele torceu o topo em parafuso da âncora que agarrava. Forças de aderência intermolecular soltaram-se com um débil ruído de estalos, que respondiam ao "plash-plash" da água no casco. Os movimentos de Reymont não podiam ser chamados de graciosos, como os de Ingrid, mas eram rápidos e precisos.

— Sim, creio que todos memorizamos os relatórios oficiais uns dos outros — disse ela balançando a cabeça. — De você, vi o mínimo absolutamente necessário que se poderia conseguir como narração.

(Charles Jan Reymont. Status de cidadania: inter-planetariano. Trinta e quatro anos de idade. Nascido na Antártica, mas não numa de suas melhores colônias. Os sublevados de Polyugorsk ofereciam apenas pobreza e turbulência a um menino cujo pai morrera cedo. O jovem em que se transformou chegou a Marte por algum meio não especificado, ocupando-se de uma variedade de trabalhos, até surgirem problemas. Lutou então com os zebras, e com tamanha distinção que, posteriormente, o Corpo de Resgate Lunar ofereceu-lhe uma colocação. Aí ele completou sua educação acadêmica e subiu rapidamente na hierarquia. Como coronel, desempenhou importante papel no aperfeiçoamento da divisão policial. Quando requereu sua participação nesta expedição, o Departamento de Controle teve muita satisfação em aceitá-lo.)

— Absolutamente nada propriamente de você — Lindgren observou. — Será que se deixou revelar no teste psicológico?

Reymont tinha ido à frente e soltado o cabo da proa. Esticou caprichosamente ambas as âncoras, pegou o leme e acionou o motor. O propulsor magnético era silencioso e a hélice também fazia pouco barulho, mas o barco começou rapidamente a deslizar. Ele conservava os olhos firmes à frente.

— Qual a razão do seu interesse? — perguntou.

— Estaremos juntos por vários anos. Muito possivelmente pelo resto de nossas vidas.

— Isso me dá o direito de perguntar por que você passou o dia de hoje comigo.

— Você me convidou.

— Depois que recebi o seu telefonema no hotel. Deve ter verificado o registro da tripulação para descobrir onde eu estava.

Millesgarden desapareceu na obscuridade, que se adensou repentinamente à popa. As luzes ao longo do canal e as luzes da cidade ao longe não mostraram se Lindgren corou. Seu rosto, porém, voltou-se para Reymont.

— É verdade — admitiu. — Eu... pensava que estivesse se sentindo sozinho. Você não tem ninguém, não é?

— Não deixo nenhum parente. Estou apenas excursionando pelas coisas boas da Terra. Aliás, não haverá nenhuma delas para onde estamos prestes a partir.

O olhar de Lindgren ergueu-se de novo, desta vez para Júpiter, um firme ponto de luz branco-amarelada. Outras estrelas iam despontando. Ela tremeu contra o ar do outono e apertou a capa em volta do corpo.

— Não — disse num tom abafado. — Tudo será estranho. E quando mal começamos a mapear, a compreender esse mundo aí na frente — nosso vizinho, nossa irmã — vamos cruzar trinta e dois anos-luz...

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