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O Terror que Deleita

Por:   •  4/5/2018  •  2.295 Palavras (10 Páginas)  •  306 Visualizações

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No meu ponto de vista, a melhor forma de compreender a essência do Sublime, na obra de Edmund Burke, é contemplá-lo como o fazemos com a noção de Deus, dado que, tal como Ele, se baseia no transcendente que conduz ao suprassensível. As principais características que atribuímos à divindade, na maioria das religiões, são a omnisciência, a omnipotência e a omnipresença, ou seja, o conhecimento de tudo, o poder supremo e a capacidade de estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Nesta analogia, podemos dizer que as fontes do Sublime são tudo aquilo que destaca a fragilidade humana e a sua inferioridade, subjugando-nos, nesses três campos.

Em primeiro lugar, surgem o Medo e o Terror, as emoções que privam mais eficazmente a mente de todo o seu poder e racionalidade, pois, embora constituam apenas receio da dor e da morte, têm efeitos semelhantes à dor e à morte efetivas, são a contemplação de um abismo. Estas emoções colocam em causa a Omnisciência, demonstrando ao sujeito o quanto do universo é para ele desconhecido, e podem ser causadas por qualquer entidade, independentemente da sua dimensão, o mais importante é que esta seja uma ameaça, constitua um perigo iminente, o que automaticamente tornará a perceção dela pelo indivíduo uma hipérbole. A verdade é que, quando conhecemos a dimensão total de qualquer perigo, é mais fácil habituarmo-nos a lidar com ele e, portanto, grande parte da apreensão desaparece. Por este motivo, é essencial que o objeto seja escuro, incerto, confuso, terrível e, mesmo, imperfeito para ser causador do Sublime, a ideia de Obscuridade é essencial. Outros aspetos que podem interferir com a possibilidade de conhecer o que está ao nosso redor e, consequentemente, ser fontes de Sublime, são as chamadas Privações Gerais: o Vazio (privação de matéria), a Escuridão (privação de luz e da visão), a Solidão (privação de companhia) e o Silêncio (privação de som).

Em segundo lugar, o Poder e a Força são duas qualidades que, quando ao nível do Sublime, representam a Omnipotência que impõe respeito e amedronta e interligam-se no sentido em que a força é definida como o poder natural. A possibilidade da dor e da morte afeta-nos, de tal modo, que é impossível livrarmo-nos do terror, enquanto estivermos na presença de algo com o poder de nos infligir uma ou outra, “a noção de um grande poder deve ser sempre precedida do pavor que temos dele”5. Por um lado, o prazer, geralmente, é-nos conferido através de coisas com uma força muito inferior à nossa. Por outro lado, a dor é sempre infligida por um poder de alguma forma superior ao nosso, por vezes, através da violência. Quando somos capazes de retirar uma grande quantidade de força ou capacidade para causar dano a uma entidade, esse objeto é despojado de tudo o quanto é sublime, tornando-se automaticamente desprezível. Além disso, também algo que possui uma força meramente útil e que apenas é empregue para o nosso benefício ou prazer, nunca é sublime: “o desprezo acompanha aquela força que é subserviente e inócua”6. Por exemplo, é este facto que provoca o contraste tão intenso entre as ideias que temos de um touro e de um cavalo selvagem com um boi e um burro, respetivamente, sendo que, apesar de todos estes animais apresentarem uma força e um poder consideráveis, os domésticos, por serem vistos apenas como benéficos à condição humana, são mais facilmente desprezados que os selvagens, que representam forças da natureza.

Perante a Omnipotência a reação natural do indivíduo é reduzir-se à pequenez da sua própria índole, pelo que, mesmo na relação entre o Homem e a Divindade, “não há convicção da justiça com que é exercida ou da misericórdia com que é temperada capaz de afastar completamente o terror que uma força irresistível naturalmente provoca”7.

Em terceiro lugar, a Vastidão é uma característica que evoca a Omnipresença, pois o excesso de extensão, quantidade, comprimento, altura e profundidade e a ideia de infinito e de ilimitado quebram as barreiras da imaginação e conduzem ao estado em que os sentidos se perdem. Os efeitos provocados por ela são impressionantes e, obviamente, causadores de Sublime, contudo, tanto o extremo da dimensão como o extremo da pequenez o podem provocar, nomeadamente a infinita divisibilidade da matéria. A ideia de infinito impede que possamos visualizar os limites dos objetos, baseia-se na repetição de uma ideia com frequência, que a mente continua a repetir muito depois de a sua causa originária ter deixado de atuar. Quando isto ocorre, os sentidos são tão fortemente afetados que não conseguem rapidamente mudar o seu estado e adaptar-se a outras coisas. Para a construção da noção de infinito é necessária a sucessão – os componentes têm que continuar por tanto tempo numa tal direção que impulsionem os sentidos a provocar na imaginação uma ideia de continuação para além dos limites efetivos – e a uniformidade.

Quanto ao efeito que a perceção do Sublime tem sobre a mente humana, podemos verificar que este é um quase Maremoto (Sublime Tremor Marinho), pelo que conseguimos dividir o seu efeito e as reações humanas a ele em três fases: o Sismo, a Réplica e o Devaste pela onda. A primeira fase, o Sismo, pode ser relacionada com o início do estado de Assombro no indivíduo perante o Sublime. O Assombro é definido como a “paixão causada pelo que é grande e sublime”, um “estado de alma no qual todos [os movimentos] estão suspensos, com algum grau de horror”. Nesse momento, “a mente está tão completamente cheia com o seu objeto que não consegue atender a nenhum outro, nem, consequentemente, raciocinar acerca do objeto que a ocupa”8. Num primeiro momento de contacto, o Sublime gera, assim, um estado de choque, pânico, uma incapacidade de raciocínio ou reação, que captura e imobiliza, sendo este o seu grande poder.

A segunda fase, a Réplica, pode ser associada à Dor, ou melhor, ao receio da possibilidade de dor, causada pela perceção do perigo no poder, na força, na obscuridade ou na vastidão de um dado objeto. É nesta fase que o sujeito se deixa vencer pelo terror e se reduz à sua insignificância, deixando cair por terra todo o seu orgulho.

Por fim, a terceira fase, o Devaste, pode ser interligada ao Maravilhamento, pincelado de um êxtase e entusiasmo, pelo pathos que age no recetor do Sublime e o arrasta até à catarse. Depois dos seus primeiros efeitos mais brutais, o Sublime exerce um golpe final, que devasta, aniquilando o indivíduo e as suas anteriores convicções, forçando-o à perceção da dor como forma de deleite e a uma certa reverência, admiração e respeito pela fonte da emoção, que passa a ser vista como magnificente, esplêndida

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