Da Fabricaçao a Realidade
Por: Rodrigo.Claudino • 20/11/2017 • 1.703 Palavras (7 Páginas) • 390 Visualizações
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Pasteur tenta agora convencer os acadêmicos de que sua história não é uma história e de que ela aconteceu independentemente de sua vontade e capacidade de imaginação. No entanto, um experimento não são testes isolado. É o movimento desses testes tomados em conjunto quando tem êxito ou tomados em separado quando falham. Sabe-se assim, que nenhum experimento pode ser estudado unicamente no laboratório, unicamente na literatura, unicamente nos debates entre colegas.
Ternos de compreender que, independentemente do que pensarmos ou questionarmos a respeito do caráter artificial do laboratório ou dos aspectos literários desse tipo peculiar de discussão, o fermento do ácido láctico foi inventado, não por Pasteur, mas pelo fermento.
Assim, toda dificuldade apresentada pelo artigo de Pasteur sugere que um experimento é um evento. Nenhum evento pode ser explicado por uma lista dos elementos que penetraram na situação antes de sua conclusão, antes de Pasteur lançar seu experimento, antes de o fermento desencadear a fermentação, antes da reunião da Academia.
Todos eles vão embora num estado diferente daquele que apresentavam ao entrar. Isso pode induzir-nos a investigar se existe mesmo uma história da ciência e não apenas de cientistas, e se existe mesmo uma história das coisas e não apenas de ciência.
Se não foi muito difícil reconfigurar a noção de construção e fabricação, para considerar um experimento como um evento e não como um jogo zerado, é bem mais espinhoso compreender de que modo podemos insistir, simultaneamente, na artificialidade do cenário de laboratório e na autonomia da entidade realizada dentro das paredes do laboratório.
Pasteur não apenas desenvolveu toda uma ontologia a fim de acompanhar a transformação de uma não-entidade em entidade, conforme percebemos na última seção, como tem também uma epistemologia, aliás sofisticadíssima. Para Pasteur, os fatos precisam sempre ser enquadrados e gerados por uma teoria. Assim, enraíza essa inércia disciplinar tanto na cultura e na história pessoal quanto na natureza humana.
Diante disso, entende-se que não podemos sequer pretender que, em ambos os casos, somente o autor, o autor humano, é quem faz o trabalho ao escrever o artigo, pois o que se acha em causa no texto é exatamente a inversão de autoria e autoridade: Pasteur autoriza o fermento a autorizá-Io a falar em nome dele. Quem é o autor do processo todo e quem é a autoridade no texto são questões em aberro, já que personagens e autores trocam credibilidades.
Longe de ser uma matéria-prima da qual cada vez menos traços se conservam, o fermento começa como entidade vagamente visível e vai assumindo mais e mais competências e atributos até terminar como substância plena. Diante disso, pode-se analisar tal assunto através de diversas metáforas, são estas: paralelogramo, teatro, fetiche, óptica, industrial, trilha e articulação. Ao longo do texto de Latour são expostos os benefícios e fraquezas de todas estas e como Cada uma delas contribui para nossa compreensão da ciência, mas faz-nos ignorar aspectos importantes das dificuldades suscitadas pela dupla epistemologia de Pasteur.
Logo, conclui-se que o nosso envolvimento com as coisas das quais falamos é ao mesmo tempo muito mais íntimo e muito menos direto que o do quadro tradicional: somos autorizados a dizer coisas novas e originais quando penetramos em cenários bem-articulados como os bons laboratórios.
- Análise:
O texto tem algumas partes complexas e de difícil entendimento, além de conter uma linguagem com um vocabulário diferente da linguagem habitual utilizada. Porém, mesmo diante desses fatos, com a leitura realizada é possível abrangermos nossos conhecimentos no que diz respeitos ao aspecto filosófico do estudo científico, levando-nos a compreender a ciência como um todo.
Diante disso, Latour nos leva a analisarmos o quando é comum escutarmos, pelos os estudiosos da ciência, jargões como "construção” e "fabricação" no tocante à ação da ciência no mundo. Assim, através de duas narrativas expostas: uma primeira, ontológica, sobre a conversão de atributos/desempenhos em uma substância/competência coesa (o que se aplica tanto ao ácido lático quanto ao próprio Pasteur); e uma segunda, epistemológica, acerca da construção dos fatos (e as implicações humanas e não-humanas deste desenrolar).
Nesse contexto, de início no seu artigo, Pasteur dita que a fermentação do ácido lático não possui uma causa óbvia. Se há algum fermento no meio desse processo, seria apenas um produto acidental e desprezível envolvido numa fermentação puramente química.
Assim, inicialmente, o leitor do artigo encara um mundo no qual o fermento é um substrato irrelevante ou mesmo decadente ao processo químico. Ao final do artigo, o leitor é transportado a um mundo no qual o fermento é uma forma de vida bem identificada e essencial ao processo químico em questão.
Prontamente, entende-se que Pasteur através de seus testes, ajudou o fermento a se revelar para o mundo e o fermento ajudou Pasteur a ganhar uma medalha, a publicar um artigo e a se afamar na academia. Nesse contexto, todos sofrem mudanças: o fermento muda, Pasteur muda, a academia muda. Mas o que é exigido, no meio de tanta mudança, é a estabilidade do fermento. Não importa o quão engenhoso foi Pasteur ao criar seus dispositivos artificiais, os testes de seus colegas devem atribuir a invenção do fermento ao próprio fermento.
Logo, a obra de Latour nos faz esbarrar no principal entrave dos conceitos "construir" e "fabricar": tudo o que acontece, no vocábulo da ciência, é a descoberta do que já estava lá, seja "lá" a natureza ou a sociedade ou o que quer que seja.
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