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AS TEMPORALIDADES DA INFÂNCIA

Por:   •  14/11/2018  •  4.395 Palavras (18 Páginas)  •  259 Visualizações

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A segundo vocábulo grego encontrado, e já não muito utilizada na atualidade é “aión” que expressa enquanto conceito a intensidade do tempo da vida humana, designando uma noção de tempo que não é passível de ser numerada e nem apresenta uma linearidade sucessiva. Kohan, no texto Lugares da Infância: Filosofia, comenta que esta concepção de tempo designada pela palavra “aión” propõe, entre outras coisas, que o tempo da vida pode se desenvolver de uma forma que não siga necessariamente uma lógica numerável como aquela sugerida por “chrónos”. Assim, esta outra compreensão de temporalidade se assemelharia ao modo de fazer de uma criança, onde os fatos aparentemente não apresentam muita relação, e a lógica temporal ordenada pelos números ocorreria como uma brincadeira de criança. Esta comparação deve-se à forma como uma criança relaciona-se com o tempo. Para ela o que conta em relação a um determinado tempo transcorrido não é a duração cronológica sucessiva e contínua desse tempo, mas a intensidade da duração, do momento. Seria esta a “dimensão aiónica” do tempo. Ou, melhor dizendo, uma infância do tempo e dos fatos.

A partir destas duas categorias de tempo encontradas na cultura grega é que pôde-se desenvolver este artigo, enxergando a infância por óticas distintas, o que nos leva a dois conceitos de infância, dois entendimentos distintos mas coexistentes, pois a existência de um não aniquila a existência do outro. Nomeei estes dois entendimentos distintos do mesmo objeto como: Infância chrónos e Infância aión.

Infância Chrónos

A importância da construção do conceito de infância teve um grande avanço com os estudos do pesquisador francês Philippe Ariès. Com a publicação da obra História Social da Criança e da Família, em 1960, ele formula um novo olhar historiográfico para o sentimento de infância no mundo ocidental, a compreendendo como socialmente construída durante a época moderna, e destacando aspectos desde a consciência da infância até as especificidades da criança, ou seja, aquilo que a diferencia do adulto.

Segundo relata Ariès (1981), a infância foi um conceito historicamente construído e a criança, por muito tempo, não foi vista como um ser em desenvolvimento, com características e necessidades próprias, e sim como um adulto em miniatura. Este autor considera a infância como uma invenção da modernidade, constituindo-se numa categoria social construída recentemente na história da humanidade, onde a emergência do sentimento de infância, como uma consciência da particularidade infantil, é decorrente de um longo processo histórico, não sendo uma herança natural. Essa afirmação desencadeou grandes mudanças na compreensão da infância, já que ela era pensada como uma fase da vida, como qualquer outra. Nesse sentido, a história da infância surge como possibilidade para muitas reflexões sobre a forma como entendemos e nos relacionamos atualmente com ela.

A infância como conhecemos hoje foi uma criação de um tempo histórico e de condições socioculturais determinadas, sendo um engano analisar todas as infâncias de todas as crianças com o mesmo enfoque. A compreensão da infância muda com o tempo e com os diferentes contextos sociais, econômicos, geográficos, e até mesmo com as peculiaridades individuais (Ariès, 1981).

Em Kohan (2004) e a discussão da evolução filosófica da infância, é possível observar que embora Aristóteles não tenha um livro ou tratado específico sobre a infância, as suas numerosas observações no marco de seus tratados de biologia, psicologia, ética e política, dentre outros, permitem reconstruir uma certa concepção da infância em consonância com as categorias filosóficas que compõem sua concepção do ser humano e do mundo. Para Aristóteles, toda criança é uma criança em ato e, ao mesmo tempo, um adulto em potência, um ser que só alcançará sua completude e finalidade na adultez. Neste sentido, para Aristóteles toda criança é inacabada, incompleta, imperfeita por natureza. Esta noção da criança como um homem imperfeito e em devir se estendeu até o século XVII.

Percebe-se, portanto que até o século XVII, a ciência desconhecia a infância, não havia lugar para esta na sociedade, fato caracterizado pela inexistência de uma expressão particular a ela. Só então, a partir da ideia da infância marcada pela dependência, necessidade de proteção e cuidado, que surge a infância como uma categoria geracional. Neste contexto as crianças passaram a ser entendidas como seres biológicos, que necessitavam de grandes cuidados e de uma rígida disciplina, a fim de transformá-las em adultos socialmente aceitos.

De acordo com Heywood (2004), ao analisar o século XVIII, a emergência social da criança nesse século aconteceu devido às obras de John Locke, Jean Jacques Rousseau e dos primeiros românticos. Cita o autor que foi Locke que difundiu a ideia da tábula rasa para o desenvolvimento infantil e de que a criança nascia apenas como uma folha em branco, na qual, se poderia inscrever o que se quisesse. Enquanto que, para Rousseau, existia a ideia de natureza boa, pura e ingênua da criança, e da necessidade de respeitá-la e deixá-la livre para que a natureza pudesse agir no seu curso normal, favorecendo o pleno desenvolvimento saudável das crianças. Esta concepção romântica da infância, entendia as crianças como portadoras de sabedoria, sensibilidade, e estética apurada, necessitando que se criassem condições favoráveis para o seu pleno desenvolvimento.

Assim, cabe destacar, que o tratamento diferenciado remetido à infância aparece entre os séculos XVI e XVIII. Até essa época a educação das crianças confundia-se com sua inclusão nas atividades da sociedade e nos espaços públicos. Nesse sentido, foi através de Rousseau, considerado um dos primeiros pedagogos da História, que a criança começou a ser vista de maneira diferenciada, uma vez que ele propôs uma educação infantil sem juízes, sem prisões e sem exércitos.

A partir do século XIX inaugura-se uma visão da criança sem valor econômico, mas de valor emocional inquestionável, criando uma concepção de infância plenamente aceita no século XX. Neste contexto histórico é possível observar que a família sofre grandes transformações na organização social, a qual cria novas necessidades nas quais a criança será valorizada enormemente, passando a ocupar um lugar central na dinâmica familiar. A partir de então, “o conceito de infância se evidencia pelo valor do amor familiar: as crianças passam dos cuidados das amas para o controle dos pais e, posteriormente, da escola,

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