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Eurípedes e As Troianas

Por:   •  12/6/2018  •  4.840 Palavras (20 Páginas)  •  316 Visualizações

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Eurípides imprimiu ao gênero trágico uma profunda renovação. Radicalizou ainda mais a questão da ação, impulsionando seus personagens a agir assim como analisando suas ações, forçou efeitos, libertou a música, multiplicou personagens, retirou o herói do seu pedestal, agregou comicidade através do patético, trouxe orientações políticas a suas peças, trouxe para o palco a cotidianidade e características paródicas constituíam suas peças.

Criticado por Nietzsche como cúmulo da decadência do trágico, Eurípides fora fortemente associado a Sócrates. Nietzsche estabelece que a tragédia grega antiga sucumbiu pela ação combinada de Sócrates e Eurípides, pelo socratismo de Eurípides. Nesta ação combinada com Eurípides, subestima-se o valor da música grega antiga, substrato da tragédia, levando esta à sua decadência. A junção entre as duas pulsões artísticas da natureza, o apolíneo e o dionisíaco, se vê dissolvida diante da aliança entre Eurípides e Sócrates. Esse fenômeno ocorre, segundo a visão nietzschiana, devido ao fato de que Sócrates desejava “reparar a existência” através de uma divindade distinta daquelas formadoras da tragédia grega antiga, a saber, a razão.

Em Eurípides, na perspectiva nietzschiana, a inserção de um prólogo nas peças, no qual, os personagens se apresentavam e antecipavam tudo o que lhes havia ocorrido e tudo o que lhes viria a ocorrer resultava em uma tremenda perda de tensão na tragédia. Embora Nietzsche critique a tendência socrática de Eurípides e lhe impute a morte da tragédia, o filósofo elege o Dionísio de As Bacantes, o protótipo do espírito trágico grego. O deus que tanto o tragediógrafo havia combatido ao longo de toda sua produção – se torna a figura principal em sua última obra.

As Troianas foram representadas originalmente em Atenas, no concurso dramático das Grandes Dionisíacas de 415 a.C. O acontecimento impiedoso do massacre dos habitantes da Ilha de Melos pelos atenienses (416-415 a.C), são talvez a explicação para o profundo comprometimento com que Eurípides tratou dos vencidos nas Troianas, em contraste com a arrogância e a brutalidade dos vencedores.

A tragédia é num certo sentido, a ilustração, por um cidadão da mesma Atenas que aniquilou Melos, dos horrores que esperam os vencidos na guerra e que esperariam, portanto os atenienses se fossem vencidos na Sicília, que pretendiam invadir numa expedição imperialista.

A ação se passa na idade heroica da Grécia, em Tróia e tem um início após a guerra entre os gregos e troianos, quando é chegada a hora de se dividir os dmôs, os prisioneiros de guerra, no caso, as troianas. O clima de dor e incerteza, com algumas nuances de ironia, perpassa toda a obra euridipiana.

No prólogo da peça, estão presentes as divindades. Poseidon e Atena surgem somente no prólogo. Por iniciativa da deusa surge o plano de castigo aos gregos em seu retorno à pátria, pela hýbris que cometeram (ofensa à deusa, a Cassandra, aos templos de Tróia). O diálogo entre Poseidon e Atena, é uma influência homérica, do poema épico Ilíada, onde os deuses discutem o que vai acontecer na Terra.

Poseidon, após discorrer sobre seu importante apoio com Apolo aos troianos, elucida-nos como e porque se sucedeu a queda de Ílion, em uma perspectiva da história da guerra, defendendo Troia, e atesta que, aos gregos, muita dor os aguarda no retorno à sua terra. Mas o deus também relata, em tom de pesar e crítico, a dolorosa solidão de Tróia, já praticamente descrente nos deuses, pois a eles não são dados os tributos e nem são feitas as adorações habituais. Assim é nos dito que os troianos cometeram uma hýbris, pois, um dos deveres básicos do homem era honrar (timáo) aos deuses. Acerca das mulheres, espólios de guerra, Eurípides destaca a bela Helena, tratada agora justamente como escrava (Eur., Hec., 50) e Hécuba, a imagem do infortúnio (idem, 52). Sua infelicidade é causada pela queda do seu reino, pelo seu destino incerto, de Cassandra (sua filha inspirada, que será mulher em leito clandestino, contra a divina lei e contra a piedade (idem, 63-64) de Agamêmnon) e de Andrômaca, e pela morte dos seus filhos, inclusive Polixena, o guéras de Aquiles, sacrificada sobre o seu túmulo.

Já Atena, deusa protetora dos helenos na guerra, ao aparecer em cena, encadeia um diálogo com o irmão de seu pai e se oferece, aparentemente, a mostrar algum apreço por Tróia. Seu desígnio é, claramente, o de castigar os gregos, devido à hýbris cometida por Ájax que tentou violentar Cassandra, no interior do templo de Atena e que não foi punido pelos seus. Assim, vaticina Atena: Farei com que a vitória lhes resulte amarga (idem, 101). A queixa de ambos se assemelha. Aparentemente, reclamam da desonra (atimós) aos deuses, falta grave cometida tanto pelos helenos, quanto pelos frígios. Porém, na peça, a motivação da insatisfação divina não é exposta persuasivamente: isto, certamente, não ocorre à toa. Eurípides, talvez não podendo afirmar claramente que os deuses nada tiveram ou/e têm relações com atitudes humanas, lança sementes de descrença neles.

No párodo das Troianas, encontra-se Hécuba, no mesmo ambiente em que os deuses estavam presentes. A idosa Hécuba, uma verdadeira mater dolorosa na expressão de Norwood (Greek Tragedy, quarta edição, Londres, Methuen, 1948, página 245) simboliza a situação dramática dos vencidos. Os deuses eram invisíveis aos seus olhos. Destruída, desolada, ela lamenta as dores do seu povo e pragueja contra a esposa pérfida de Menelau (idem, 168-169), causadora de toda a ruína e males. Serão dois os Corifeus e dois os semicoros na peça. O primeiro, constituído por uma mulher troiana. Já o segundo, por mulheres de meia-idade. Os semicoros seguem a mesma organicidade. Ambos os Corifeus dialogam, alternadamente, com Hécuba, para compreender que destinos terão: as anciãs, amas de crianças? As moças, mulheres para duplo leito?

Porém, nem Hécuba, antes rainha, sabe qual será o seu fim. O lamento é unânime. Quando se trata do Corifeu e do primeiro semicoro, ambos formados pelas jovens mulheres, inexperientes, é perceptível a falta de noção real do que está por vir. Chegam a acreditar que há bons lugares na Grécia, que não sejam Esparta, terra da funesta Helena, para serem escravas. O coro nada sabe e, assim, põe abaixo a importante função que o define em muitas tragédias: arrastar para o palco informações que escapam ao domínio espaço-temporal da peça. O coro em Eurípides assume uma plasticidade poética-verbal. É muito codificado mimeticamente. Constitui não apenas um personagem coletivo situado em uma relação fechada com os demais personagens

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