O REVÉS DE CANUDOS
Por: Carolina234 • 23/3/2018 • 6.803 Palavras (28 Páginas) • 388 Visualizações
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O coronel seguira para a Bahia em 3 de fevereiro de 1897, com o 7º Batalhão de Infantaria, que estava sob o comando do Major Rafael Augusto da Cunha Mattos; com uma bateria do 2º Regimento de Artilharia, sob o comando do Capitão José Salomão Agostinho da Rocha e um esquadrão do 9º de Cavalaria, com o Capitão Pedreira Franco. Uniram-se depois ao 16º Batalhão, que se encontrava em São João Del Rei, dirigido pelo Cel. Sousa Meneses e o 9º de Infantaria, do Cel. Pedro Nunes Tamarindo, além de um pequeno contingente da força estadual baiana.
Euclides afirma que os batalhões seguiram para Monte Santo, mas na véspera da chegada, Moreira César sofreu uma forte crise epilética e os cinco médicos que o acompanhavam alertaram-no para a impossibilidade do ataque naquelas condições. As operações militares sofreram, por isso, “desde o primeiro passo nos caminhos todos os erros e inexplicáveis descuidos e inexplicável olvido de preceitos rudimentares” (CUNHA, 2002, p. 431), na avaliação do escritor. Os engenheiros militares tiveram apenas uma semana para “conhecer a paragem desconhecida e áspera” (p. 432), o que lhes impossibilitou a melhor escolha de pontos estratégicos.
Então Euclides começa a apontar as falhas táticas e de planejamento dessa expedição: as rápidas anotações levaram o coronel à escolha de um novo caminho, ao leste do Cambaio, que se desviasse da zona montanhosa, sem a determinação de pontos defensáveis, para o caso de um assalto dos canudenses. Nessa rota teriam que abrir caminho pela caatinga, sob o peso de carregamentos de água, e vencer um “extenso areal de 40 km” (CUNHA, 2002, p. 434). Optaram por levar uma bomba artesiana, sem conhecer a possibilidade de existência de água naquele inóspito terreno a ser vencido. Seriam 150 km “ante o despovoamento e a maninhez da terra” (p. 434), sem a garantia mínima de uma base de operações.
Enquanto isso, a população do arraial aumentava e os jagunços se espalhavam, em tocaias vigilantes e informantes que seguiam até Queimadas e Monte Santo, para saberem do movimento dos soldados invasores. Montaram trincheiras pelo caminho, que lhes permitissem receber os intrusos com uma “rede de balas” (p. 437). A natureza, tão conhecida pelos jagunços, fora-lhes uma aliada na vitória.
No arraial, a notícia do iminente ataque do temido Moreira César, o “Corta-cabeças”, causou agitação entre os habitantes, que passaram a se preparar para a defesa, capitaneados por João Abade, criminoso que ali se tornara o braço direito do Conselheiro. Esse “Comandante da rua” (CUNHA, 2002, p. 440) dominava e disciplinava todos que ali chegavam, preparando-os para a defesa do arraial.
Os 1281 soldados, conforme Euclides, partiram de Monte Santo ao cair da noite, chegando a vanguarda em Cumbe três dias depois. O resto do batalhão ficara para trás, devido ao ataque epilético de Moreira César, que parou com eles na Fazenda Lajinha (cf. Bernucci, nota à p. 444 de Os sertões, 2002).
A penosa travessia pela caatinga deserta levou a tropa até Serra Branca, onde os soldados chegaram exaustos e sedentos, porém ali só encontraram alguns litros de água. Tentaram cravar o tubo da bomba artesiana no terreno árido, sem sucesso. Haviam levado, para auxiliar na tarefa, um macaco de levantar pesos, quando deveriam ter levado, como observa Euclides, um bate-estacas.
“A tropa combalida” teve assim que partir para o sítio do Rosário, a dezoito quilômetros dali. “Mil e tantos homens penetrando, quase em cambaleios, torturados de sede, acurvados sob as armas, em pleno território inimigo” (CUNHA, 2002, p. 447). Não perceberam que eram espionados pelos jagunços que os seguiam... Vencidos pelo cansaço, só na manhã seguinte se deram conta de estar no território inimigo.
Em 1º de março, sob um daqueles rápidos aguaceiros que por ali caíam, foram surpreendidos por tiros, já no Rosário. Moreira César precipitou-se a galope, sozinho, no meio dos soldados ainda confusos pela surpresa, e saiu correndo atrás do inimigo que, por sorte, “era um comboio de gêneros enviados por um fazendeiro amigo, das cercanias” (p. 448).
Na madrugada do dia 2, os batalhões marcharam para o Angico, ali acampando. O plano era atacar Canudos no dia 4. Moreira César estava certo da vitória inevitável. Ao chegarem a Pitombas, houve o primeiro encontro com o inimigo. O alferes Poli foi abatido, seis ou sete soldados tombaram também, mas os outros rapidamente revidaram, afugentando os atacantes.
O coronel, então, tranquilamente observou: “Esta gente está desarmada...” (CUNHA, 2002, p. 457), o que fortaleceu os ânimos da tropa, convencida da própria força e pela “licença absoluta para as brutalidades máximas”. Continuaram, dessa forma, sob o “contágio de emoções violentas” e uma “instabilidade de sentimentos” que só poderiam ser debelados com a “fortaleza moral de um chefe” (p. 458).
Moreira César, porém, “ao invés de reprimir a agitação ia ampliá-la” (p. 458), apressando o ataque, antecipando-o de forma irresponsável, segundo Euclides, com o brado: “Vamos almoçar em Canudos!” (p. 459), ovacionado pela turba “combalida e exausta de uma marcha de seis horas” (p. 459). Agravou-lhe a falta de bom senso ao permitir às praças livrarem-se das “mochilas, cantis e bornais, e todas as peças do equipamento” (p. 459), para se tornarem mais leves e rápidos. Mais imprevidente ainda foi a atitude de mandar “dois cartões de visita ao Conselheiro”, conforme Euclides, ou seja, dois tiros disparados na direção do arraial.
Do alto da Favela, surpreenderam-se os soldados com uma visão inesperada de Canudos: um “conjunto assombroso de 5000 casebres impactos numa ruga da terra” (p. 461). Moreira César decide que iam tomar o arraial sem “disparar mais um tiro”, somente à baioneta. Com uma ordem de combate “paralela simples, feita para casos excepcionalíssimos de batalhas campais”, com superioridade numérica e de bravura, em terreno uniforme. Porém, ao descerem o morro, os soldados se depararam com um “terreno inconceptível”, de “formas topográficas opostas” (p. 461).
Outra constatação que os pegara de surpresa era que os casebres foram construídos de uma forma que, se derrubados, formavam uma trincheira a proteger os que lá moravam. Tanto que Euclides afirma: o arraial “intato – era fragílimo; feito escombros – formidável”, uma “cidadela-mundéu” (p. 469).
Os soldados, exaustos e sedentos, ao invadir os casebres descobriram neles comida e água a cuja tentação muitos não resistiram e o saque antes da vitória custou-lhes a vida, como observa
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