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Pluralismo Jurídico (Boaventura)

Por:   •  3/4/2018  •  3.280 Palavras (14 Páginas)  •  252 Visualizações

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Assim, entende-se a situação de pluralismo jurídico quando normas diversas e válidas se encaixam ao mesmo caso concreto, sendo que apenas uma delas alcança a eficácia, por escolha do aplicador ou do indivíduo que sofrerá a aplicação.

Apesar de as discussões sobre o assunto serem recentes, desde a pré-história é possível observar a existência desse fenômeno nas sociedades. Nesse período já se observava a formação de comunidades que continham inúmeras formas de direito, que eram fortemente impregnados pelas plurais religiões. No segundo milênio antes de Cristo ainda se via a existência de diferentes sistemas jurídicos, como o código de Hamurabi (1694 a.C.) e as tábuas de Mari (1650 a.C). Da mesma maneira, o surgimento do sistema Hebraico de direito é um pluralismo jurídico, pois a partir dele nasce um novo regramento que convive com o antigo.

Porém, nenhum período demonstra melhor a existência de tal fenômeno como a Idade Média. O Direito da era medieval era consuetudinário, determinando que o indivíduo levasse consigo as normas de sua tribo, sendo julgado por qualquer outra tribo.Cada povo vivia segundo o seu próprio direito tradicional.

O direito romanístico apresentou particularidades a respeito do pluralismo jurídico. Os romanos difundiam seu direito pela força, mas aceitavam a existência de dois conjuntos de normas distintos, um para as relações entre romanos e outros para as que houvessem ao menos um não-romano. Já no sistema de Common Law, quando Guilherme, o Conquistador, tomou as ilhas britânicas e se deparou com diversos direitos na região insular, resolveu não impor direito algum. A unificação veio com a interpretação de várias leis.

Vale citar também o exemplo do direito hindu, cuja sociedade é dividida em castas e, para cada uma, rege um direito específico. Pode-se dizer que o sistema contém inúmeros sistemas menores.

O direito muçulmano é também um exemplo de pluralismo jurídico. O direito muçulmano possui inúmeras fontes e interpretações, como o corão, a sunna, o idjmã e o qiyãs.

O direito feudal é um grande exemplo de direito descentralizado. A Europa Ocidental dividiu-se em uma multiplicidade de pequenos ordenamentos jurídicos, o que impediu uma evolução do direito medieval.

Foi, porém, com a codificação do Direito, representada pelo Código Napoleônico, que o pluralismo jurídico foi colocado no campo da informalidade, criando-se o direito para ser único dentro de um único Estado. O direito internacional é um local onde a pluralidade de direitos é essencial.

Boaventura Souza Santos, em seus estudos de uma grande favela brasileira, demonstra a existência de uma grande pluralidade de sistemas jurídicos marginais no Brasil. Define que existe pluralismo jurídico quando há convivência, no mesmo espaço territorial, da vigência de dois ou mais ordenamentos jurídicos, oficialmente ou não.

A ausência do Estado em várias comunidades, que se mostram abandonadas e desprovidas de direitos básicos contribui para o nascimento de um regramento local mais próximo de seus membros. Atualmente o problema enfrentado pelo Brasil é a existência de ordenamentos paralelos ligados ao crime organizado, formando uma verdadeira quadrilha que comanda o direito informal em determinadas localidades.

Na opinião de Boaventura, esse direito é muito frágil, muito distinto do Estatal positivado. O autor mostra que existe um grande distanciamento do universo dos moradores de favela e o sistema judiciário, que considera seus membros parte de uma elite muito distante de sua realidade, sem capacidade para entendê-los suficiente para julgar ocorrências entre eles.

O autor conclui o texto colocando que a descredibilidade e ineficácia do nosso sistema judiciário diminuiria muito caso decisões judiciais reconhecessem a existência do pluralismo jurídico, trazendo uma maior integração dos que estão marginalizados na sociedade. Assim, os apelos sociais seriam ouvidos e a aplicação do direito se distanciaria do dogmatismo, trazendo uma maior contribuição da sociedade no momento da interpretação e aplicação das normas, para que se traga maior legitimidade das decisões jurídicas.

2. O pensamento de Boaventura de Souza Santos e o caso brasileiro

No capítulo 11 da obra “Curso de sociologia jurídica” – O pensamento de Boaventura de Souza Santos e o pluralismo jurídico – é possível compreender melhor esse conceito segundo os estudos desse importante pensador de Coimbra, que viveu em Portugal durante a ditadura. Além dos estudos em seu país, Boaventura é Doutor em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale e desenvolveu suas pesquisas em países como Colômbia, Brasil, Moçambique, África do Sul e Índia.

Dentro da teoria da sociologia das emergências, Boaventura trabalha com a ideia de uma globalização alternativa, isto é, ele busca um novo modelo que se oponha à globalização neoliberal atual, já que esta provoca tamanha exclusão social. Dessa forma, o pensador procura uma saída para todos exercerem a cidadania.

Com este capítulo, entendemos como os novos agentes e práticas sociais surgem e operam através do exemplo de “Pasárgada”, nome fictício que Boaventura utiliza para tratar da comunidade do Jacarezinho no Rio de Janeiro, onde ele passou seis meses durante o início da década de 1970. Vale lembrar que ele considera o período em solo brasileiro seu período de radicalização e ao pesquisar sobre “Pasárgada”, é possível entender o motivo.

Através de uma observação participante, Boaventura procurava entender o pluralismo jurídico presente na comunidade, que, segundo ele, “ocorre quando no mesmo espaço geopolítico vigoram (oficialmente ou não) mais de uma ordem jurídica, o que pode ocorrer por questões econômicas, raciais, profissionais, por uma ruptura social (...) e se contrapõe ao pensamento monista”, isto é, ao Direito estatal positivado.

O “Direito de Pasárgada”, que se opõe ao oficial da região, surgiu com os conflitos decorrentes do crescimento da população da comunidade. Isso pode ser entendido pelo fato de que a ilegalidade das construções impedia os moradores de irem até os policiais ou tribunais, visto que isso apenas aumentaria a visibilidade da comunidade e poderia piorar a situação, pois evidenciaria o fator ilegal.

Sendo assim, percebe-se que a existência desse Direito paralelo está condicionada à ilegalidade coletiva da favela. Por causa desse fator coletivo, para os indivíduos daquele local, era como se o status da ilegalidade estivesse ligado à própria

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