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A Edição e Sedição

Por:   •  25/2/2018  •  2.964 Palavras (12 Páginas)  •  228 Visualizações

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Estas, de fato, só costumam olhar as folhas exteriores de cada lote. Além disso, um suborno dado pelo livreiro ajuda a adormecer a vigilância ou a temperar o zelo das alfândegas e das câmaras sindicais.

A fim de frustrar as inspeção nas câmaras sindicais, os livreiros se entendem com os empacotadores. Em Lyon, Regnault Junior exige que toda obra cujo título esteja marcado com um x em seu pedido seja posta no fundo do pacote, pois o inspetor se contenta com uma busca superficial. Em Dijon, pelo contrário, Nubla pede que os livros proibidos sejam colocados no alto, para que possa extraí-los sub-repticiamente antes da inspeção: ele conhece o segredo de torcer os lacres de chumbo da alfândega e, em seu depósito, substitui as obras filosóficas por livros piedosos. Em Paris Barrois utiliza o mesmo procedimento, mas prefere que o material filosófico seja escondido na maculatura da embalagem. As técnicas variam muitíssimo, mas em toda a parte vê-se a mesma preocupação de reservar tratamento especial aos livros verdadeiramente perigosos.

Se o livreiro faz absoluta questão de evitar todo risco, recorre ao “seguro” (“assurance”). Este, na gíria do ofício, é o contrabando profissional. Verdadeiros “seguradores” se encarregam de transportar os livros filosóficos além das fronteiras, mediante certa soma de 16% do valor da mercadoria, no caso da estrada principal entre Genebra e Lyon, em 1773. Eles contratam equipes de carregadores, camponeses dos vales do Jura, que por desvios levam os livros nas costas através das fronteiras, colocando-os em depósitos secretos na França, de onde são reembalados e expedidos a seu destino, como se, se tratasse de mercadoria nacional. O livreiro paga à vista todas as despesas de transporte e “seguro”. Se os agentes da Receita se apoderam dos livros, o segurados saldam a fatura, ao passo que os carregadores são passiveis de condenação às galés.

O sistema é caro, caro demais para os pequenos vendedores, mas aos olhos dos grandes livreiros estabelecidos tem uma vantagem fundamental: garante-os contra riscos e perigos. Damo-nos conta disso lendo o que Blouet, um pilar do comércio de livros na Bretanha, escreve Rennes à STN. O segurados, Guillon sênior, de Clairvaux, teme o pior (isto é, as galés) porque o bispo de Saint-Claude se interessa pela questão. Após muitas negociações – aliás, decerto conduzidas com a ajuda do intendente de Besançon, tido pelo livreiros como voltariano -, os carregadores são soltos, mas seus camaradas nas outras “equipes” de Guillon recusam-se a continuar o trabalho. Só querem transportar livros inocentes ou, melhor ainda, chitas estampadas, as quais desbancam as fábricas de seda de Lyon, mas não provocam a ira dos bispos. É a greve. Guillon tenta persuadir os editores de Neuchâtel e eliminar os livros mais perigosos de suas remessas, mas os editores fazem ouvidos moucos: não é precisamente pela existência de um perigo em seu comércio ilícito que recorreram aos serviços dos seguradores? Se um cliente da STN recusa-se a correr o risco do contrabando realizado pelos circuitos legais, precisam do seguro, esse sistema de distribuição próprios dos livros filosóficos.

Mas frequentemente os espíritos acabam acalmando-se, e os portadores podem retomar sua carga. No entanto, jamais desaparecerá entre esses últimos uma desconfiança particular contra o livro ilegal, fator de punição penal, enquanto comumente qualquer outro contrabando só conduz, na maioria das vezes, à perda das mercadorias por apreensão. Daí esta contratação por François Michaut, que organiza o seguro de livros entre Neuchâtel e Pontarlier.

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O MERCADO

LITERÁRIO ILÍCITO

Para explorar o mercado literário na França do século XVIII, é preciso atravessar as fronteiras do reino para além do Jura e descer o pequeno vale suíço que leva a Neuchâtel. Por que Neuchâtel e não Paris?

Embora no século XVIII Paris fosse a capital da Luzes e o grande centro da edição legal, havia uma contradição entre Luzes e legalidade. Graças à censura, à polícia e ao monopólio da comunidade dos livreiros e impressores de Paris, quase todos os livros que inovavam em literatura e filosofia eram editados fora da lei. Se considerarmos o mundo da edição parisiense, nós o veremos por toda a parte submetido ao mesmo princípio, o privilégio, e isso em três níveis: os próprios livros traziam um privilégio do rei; os impressores e livreiros gozavam um privilégio exclusivo para desempenhar seu oficio; e sua comunidade se beneficiava de vários privilégios, dependentes do sistema político e econômico do Ancien Régime.

Ao abrirmos qualquer livro legal impresso na França setecentista, encontraremos uma carta de privilégio concedida pelo rei e impressa com todas as letras, normalmente no fim do volume, com uma ou várias cartas de aprovação dos censores oficiais, o texto precisa percorrer um longo caminho através da burocracia do Ancien Regime, passando dos censores à Direção do Comércio de livros, depois à Chancelaria e à Câmara Sindical da Comunidade dos Livreiros e Impressores.

A comunidade dos livreiros e impressores de Paris esta restrita a 36 mestres e uma centena de livreiros. O mais ricos formam um patriciado que domina a edição francesa até a Revolução. Transmitem de pai para filho seu monopólio e fazem boa figura no mundo parisiense, desfilando na festa de São João com suas roupas de veludo enfeitadas de lírios dourados, antes da celebração da missa tradicional na Église des Mathurins. Não são homens – podemos adivinhar – que arrisquem a sorte especulando na literatura de contestação.

Sua corporação não se contenta com o monopólio dos livros; torna-se também sua polícia. Uma série de editos do Conselho do Rei, sobretudo os de 1723, 1740 e 1777, impõe aos mestres a obrigação de visitar regularmente todas as tipografias e livrarias de Paris para impedir a publicação de textos não autorizados. As remessas provenientes da província e do estrangeiro são também submetidas a sua inspeção, devendo todo pacote de livros ser transportado da alfândega à câmara sindical para ser ali fiscalizado pelos síndicos e adjuntos da corporação. Tal sistema vincula o interesse econômico do patriciado parisiense à política do Estado. É o resultado de uma guerra comercial que no século XVII opunha os livreiros impressores de Paris aos livreiros-impressores da província e que se encerrou em 1666 com a vitória dos parisienses. Dali em diante, a edição provincial é anulada, vítima de um colbertismo em que o espírito de monopólio

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