Multiparentalidade
Por: Salezio.Francisco • 25/1/2018 • 3.089 Palavras (13 Páginas) • 286 Visualizações
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A filiação, sendo a relação que existe entre pais e filhos, pode ser jurídica, natural, adotiva ou afetiva. E quando essa relação é vista pelo lado dos pais em relação aos filhos, chama-se de paternidade ou maternidade, sendo que doutrina e jurisprudência utilizam o termo paternidade para evidenciar tanto a relação do pai quanto da mãe para com os filhos.
A paternidade jurídica fundamenta a ideia de “verdade jurídica” que esteve por muito tempo em um plano superior à verdade biológica. Corresponde à presunção do pai que por ser o marido da mãe que registrava o filho concebido durante o casamento, baseava-se portanto, no vínculo matrimonial, que era considerado o instituto de Direito de Família mais protegido pela ordem jurídica.
Tal paternidade é a principal geradora de direitos e deveres imediatos, é provada com documento hábil, qual seja, certidão oficial de registro de nascimento, de onde se presume veracidade e a publicidade, tendo-se assim, uma verdade legal. (SOUZA, 2009, p.03)
Durante a vigência do Código Civil de 1916, esteve em segundo plano, como supracitado, a paternidade biológica, consistente nos vínculos genéticos presentes entre pai e filho. Baseia-se, portanto na consanguinidade. Isso porque a realidade desse período histórico não contava com meios avançados de comprovação do vínculo genético entre pai e filho, restando a paternidade biológica baseada somente em presunções.
O avanço legislativo e tecnológico ampliou a importância da “verdade biológica”, na medida em que a Constituição de 1988 assegurou como direito fundamental o reconhecimento da paternidade baseado no princípio da dignidade da pessoa humana, e o surgimento e aperfeiçoamento do exame de DNA possibilitou esse reconhecimento com índices de confiabilidade superiores a 99,9999 %.
Ocorre que jurisprudência e doutrina avançaram para além da consideração da paternidade biológica como superior e absoluta, já que vem-se reconhecendo a sobreposição da socioafetividade como fator determinante na identificação da entidade familiar e dos vínculos de família, como leciona Rolf Madaleno:
Acresce possuírem a paternidade e a maternidade um significado mais profundo do que a verdade biológica, onde o zelo, o amor filial e a natural dedicação ao filho revelam uma verdade afetiva, um vínculo de filiação construído pelo livre-desejo de atuar em interação entre pai, mãe e filho do coração, formando verdadeiros laços de afeto nem sempre presentes na filiação biológica, até porque a filiação real não é a biológica, e sim cultural, fruto dos vínculos e das relações de sentimentos cultivados durante a convivência com a criança e o adolescente. (MADALENO ,2015, p. 525)
A afetividade, após a Constituição de 1988, passou a ter valor jurídico significativo, uma vez que a união estável fora reconhecida como entidade familiar merecedora de proteção jurídica, sem a chancela do casamento, a afetividade, sentimento que vincula duas pessoas, ganhou o status de princípio jurídico. Paulo Lôbo, citado por Maria Berenice Dias identifica na Constituição Federal quatro ramificações do princípio da afetividade. Sejam elas: a) igualdade entre os filhos, independentemente de suas respectivas origens; b) adoção como escolha afetiva com igualdade de direitos; c) direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do adolescente; d) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, até os adotivos, com a mesma dignidade de família. (DIAS apud LÔBO, 2013, p.73)
Nesse sentido, doutrinadores como Rolf Madaleno e Maria Berenice Dias defendem o princípio da afetividade como regente e determinante nas relações familiares. O reconhecimento da paternidade socioafetiva é dado com a concretização do chamado “estado de posse de filho”, que é a intensa convivência entre pai e filho, uma relação íntima e duradoura, tornando pública e notória tal reputação, também associada ao elemento volitivo da própria paternidade. A Jurisprudência vem se manifestando da seguinte maneira:
MATERNIDADE SOCIOAFETIVA Preservação da Maternidade Biológica Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família - Enteado criado como filho desde dois anos de idade Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade Recurso provido.(TJ-SP - APL: 64222620118260286 SP 0006422-26.2011.8.26.0286, Relator: Alcides Leopoldo e Silva Júnior, Data de Julgamento: 14/08/2012, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/08/2012).
O “estado de posse de filho” é formado por três elementos, quais sejam o nome, o trato e a fama. Em relação ao primeiro é o uso do sobrenome da família socioafetiva, que não é tão determinante, podendo ser até mesmo dispensável; o trato refere-se à criação, tratamento e educação do filho; por derradeiro, a fama que é o conhecimento público como pertencente à família de seus pais.
- MULTIPARENTALIDADE
A multiparentalidade é o reconhecimento judicial de relações de fato em que se constata a coexistência de não só paternidade biológica ou matrimonial, mas a baseada na afetividade, princípio do direito de família implícito que já está sedimentado pacificamente na doutrina e jurisprudência. Cabe ressaltar que paternidade é em amplo sentido por que tanto pode haver filiação afetiva por homem ou mulher, e não no sentido restritivo de pai como o nome assim poderia supor. O reconhecimento da multiparentalidade que é a possibilidade de uma pessoa ter mais de um pai e/ou mais de uma mãe, ao mesmo tempo segundo Souza apud Corrêa (2012, p.01), não é mais uma invenção jurisprudencial, mas sim, a solução encontrada pelo julgador para atender as novas perspectivas do Direito de Família.
Essa nova forma de pensamento deve-se principalmente à elevação da criança e adolescente como pessoas vulneráveis que merecem maior intervenção do Estado, família e sociedade, sendo um dever de todos prezar pelo melhor interesse da criança e adolescente, inclusive também sendo este considerado um dos princípios máximes do direito de família.
Quanto aos efeitos do reconhecimento judicial da multiparentalidade reconhece as decisões
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