Merleau-Ponty
Por: Carolina234 • 28/1/2018 • 1.857 Palavras (8 Páginas) • 291 Visualizações
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O CORPO EM A ESTRUTURA DO COMPORTAMENTO - A EXPERIÊNCIA INGÊNUA
Investigar a experiência perceptiva, como base das relações entre o ser humano e o mundo, talvez seja a tarefa principal a que Merleau-Ponty se dedicou. Essa preocupação constante pode ser percebida no reconhecimento insistente, em várias de suas obras, do seguinte fato: as pessoas acreditam estar em contato direto com o mundo tal como ele é por meio de uma fenomenologia da percepção. O desafio de Merleau-Ponty, explícito já em seu livro inicial e, também em seus últimos textos, é fornecer uma análise que comprove a legitimidade dessa crença veiculada pela percepção.
No primeiro livro de Merleau-Ponty, A estrutura do comportamento, há uma análise detalhada da experiência ingênua do mundo, ou seja, aquela em que simplesmente se está engajado na situação vivida, sem questionamento ou reflexões acerca de sua natureza. Nessa experiência, as pessoas não se sentem limitadas a estados privados de consciência e creem se relacionar com as próprias coisas. O corpo não se revela como uma barreira entre a consciência e o mundo, ele é o meio pelo qual as coisas podem ser conhecidas assim como são.
O CORPO EM FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO - CORPO SUJEITO, CORPO HABITUAL
Na fenomenologia da percepção, o filósofo descreve o corpo como fenomenal, isto é, não como um fragmento de matéria inerte, mas como um agente ativo na produção da experiência.
O contato do corpo com o mundo instaura uma história, ou ainda, uma pré-história, no sentido de estabelecer certos padrões de discriminação de dados sobre os quais se desenrolam os dramas pessoais. Assim, o corpo sempre é corpo habitual, e não vive apenas no instante presente: ele retém o passado e lentamente molda preferências e recorrências com as quais se insere em seu ambiente. Merleau-Ponty comenta o caso de pacientes amputados que sentem o membro fantasma, o estado habitual do corpo se impõe ao atual gerando a sensação do membro que não mais existe. Assim, confirma-se que os padrões da atividade do corpo não estão sob o domínio da consciência subjetiva. O sujeito amputado sabe de seu estado atual mas isso não impede a manifestação do membro fantasma. Isso significa que o corpo cria padrões típicos quase involuntários que chegam a superar a vontade atual.
Portanto, existe um campo de atitudes e reações típicas do corpo que excedem a consciência atual e não pode simplesmente ser recriado a seu bel-prazer. Uma pessoa extremamente tímida, por exemplo, perderá diversas oportunidades no decorrer da vida. Porém, ao modificar essa atitude geral de inserção no mundo, ela poderá aproveitar melhor as ocasiões que surgirem. Mas isso não significa que sua mudança se deva à consciência decisória, pois a liberdade subjetiva está condicionada a determinados padrões de comportamento que escapam ao sujeito e só podem ser mudados de maneira indireta.
O corpo não é somente corpo habitual, sedimentação de hábitos e atitudes típicas. É também, corpo virtual, ou seja, um campo de possibilidades no qual se anteveem novas linhas de experiências e por meio do qual é possível se lançar em situações abstratas e atuar de maneira independente das exigências cotidianas.
As habilidades intencionais do corpo não se limitam a agir sobre o que é efetivamente dado num momento, mas envolvem o passado e as possibilidades futuras. Para Merleau-Ponty a experiência é moldada pelos poderes prático-intencionais do corpo, os quais nunca dominam completamente os objetos visados.
No campo fenomenal sustentado pelo corpo, as coisas apresentam-se como indeterminadas e não podem ser submetidas a classificações rígidas baseadas em conceitos excludentes. Merleau-Ponty oferece na parte introdutória da Fenomenologia da percepção, o seguinte exemplo: um traço pode ser descrito conforme propriedades objetivas – é uma reta de três centímetros. Porém quando colocado com outros, em um desenho que sugere alguma ilusão visual, esse traço deixa de ter tal medida, ou mesmo de ser uma reta. Ele pode aparecer como mais curto do que no momento em que fora medido, ou como curvo em vez de reto. Outro exemplo é o de um ser humano visto de longe e outro visto de perto, um não é menor que o outro, o que muda é apenas a perspectiva.
O CORPO EM O VISÍVEL E O INVISÍVEL - A CARNE DO MUNDO
Na fenomenologia da percepção Merleau-Ponty atribui uma função central ao corpo: ele é o portador das condições transcendentais, ou seja, das condições subjetivas que tornam a experiência possível. Já em O visível e o invisível, texto inacabado, Merleau-Ponty minimiza o papel transcendental do corpo.
Merleau-Ponty agora defende que o corpo faz parte do mundo sensível, e partilha com as coisas essas propriedades sensíveis: ele também é um ente que pode ser visto e tocado, por exemplo. Na verdade, é porque o corpo é um ente sensível, como as coisas, que ele pode exercer sua atividade exploratória. Importa notar que há uma camada geral de sensibilidade, da qual o corpo e as coisas participam. Essa camada é chamada por Merleau-Ponty de carne. É a homogeneidade carnal entre o corpo e as coisas que legitima a pretensão ingênua de atingir o próprio mundo na experiência imediata.
Além de participar da ordem passiva das coisas, o corpo também é ativo, corpo explorador que se volta sobre o mundo e pretende conhecê-lo. O corpo é um ente sensível, que se volta sobre outros entes sensíveis.
Há casos em que o corpo se engana. O corpo nunca rompe o contato, ao menos com as estruturas gerais do mundo, e mesmo nos casos em que a assimilação dos dados esteja irremediavelmente comprometida como, por exemplo, ocorre com os portadores de daltonismo, a certeza de se relacionar com a visibilidade constitutiva do ser das coisas não se abala.
A análise da experiência ingênua em o visível e o invisível altera o papel concedido ao corpo pela fenomenologia da percepção. Merleau-Ponty explora o caráter passivo do corpo, sua comunidade de fundo com as coisas, segue-se que a experiência só é possível porque as coisas são sensíveis
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