Famílias Júridicas
Por: Kleber.Oliveira • 15/4/2018 • 8.078 Palavras (33 Páginas) • 236 Visualizações
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doutrina comparatista costuma reconhecer, na história do ordenamento jurídico inglês, quatro períodos principais: a) o que antecede a conquista normanda de 1066; b) o que vai de 1066 ao estabelecimento da dinastia dos Tudors, em 1485, no qual se verifica a formação da common law, com imposição de um direito novo em substituição aos costumes locais; c) o de 1485 a 1832, marcado pela ampliação da common law e pela complementaridade de um sistema potencialmente rival baseado em “regras de equidade”; d) e um quarto e último período, iniciado em 1832 e que perdura até os dias atuais, em que se vislumbra a convivência da common law com elevada quantidade de lei em sentido estrito, a qual é produzida e utilizada em volume nunca antes visto.
No período inicial, prévio à ocupação normanda, as relações sociais eram reguladas pelos costumes locais, aplicados pelas County Courts ou Hundred Courts, tribunais regionais mantidos pelo High Sheriff ou administrador principal de cada condado. Posteriormente, houve um desenvolvimento e aprimoramento das funções judiciais com as jurisdições senhoriais, exercidas por tribunais descentralizados do período feudal, a exemplo das Courts Baron, da Court Leet e das Manorial Courts, instituídas para atribuições materiais específicas. Já sob a égide da dominação normanda, no século XIII, os Tribunais Reais de Justiça (Royal Courts of Justice), ou Tribunais de Westminster, na forma do Exchequer, do Common Pleas e do King’s Bench, produziram as doutrinas e teorias que constituíram os fundamentos e as mais importantes regras da common law. Constituiu-se, assim, um direito “comum” a toda a Inglaterra, em oposição aos diferentes costumes locais, válidos para cada uma das tribos da ilha britânica. Nos séculos que se seguiram, o aumento progressivo da atuação dos Tribunais Reais, além de propiciar uma maior concentração de poderes em favor da monarquia, resultou em significativa difusão do conhecimento jurídico ao povo inglês.
Paralelamente à atuação dos Tribunais de Westminster, funcionava, como instância recursal, o Tribunal da Chancelaria, que exercia uma jurisdição de equidade (equity), em prejuízo das normas da common law. O excessivo formalismo da época impunha às jurisdições reais uma competência muito restrita, que resultava, por vezes, no emprego de soluções injustas às causas a elas submetidas. Tal realidade provocou, em boa parte dos casos, o acionamento da autoridade real, representada não raro pela pessoa do chanceler, a quem recorria o vencido ou aqueles não admitidos a litigar perante os Tribunais Reais.
A jurisdição exercida pelo rei ou chanceler, pois, tinha por fundamento o caráter absoluto dos poderes do monarca, e, precisamente em razão desse atributo, as decisões proferidas, de início, eram pautadas pelo senso pessoal de justiça do julgador, o qual intervinha “para tranquilizar sua consciência e fazer uma obra de caridade”. Dada a excepcionalidade de que se pretendia revestir o instituto, não se cogitava da aplicação do direito consuetudinário a que estavam vinculados os tribunais recorridos, constituindo o próprio poder real motivação suficiente para a validade da decisão prolatada.
Inevitável, pois, que um sistema judicial de equity assim instituído viesse, com o tempo, a pôr em risco a utilidade prática das regras estáticas da common law, aplicada pelos tribunais ordinários. Se admitido em larga escala, o recurso à prerrogativa real tenderia a institucionalizar-se, tornando-se um meio vulgar de revisão das decisões dos tribunais e acabando por suplantar suas atividades no todo ou em parte.
Em muito por essa razão, sobretudo a partir do século XV, vivenciou-se um processo de objetivação da jurisdição da equity exercida pelo Tribunal da Chancelaria. As decisões do chanceler, do Conselho ou do monarca, inicialmente tomadas com base na “equidade do caso particular”, tornaram-se cada vez mais sistemáticas, ante a aplicação de “doutrinas equitativas”, que passaram a se impor como adjutórios ou corretivos aos princípios jurídicos da common law aplicados pelos Tribunais Reais.
A prerrogativa real foi amplamente utilizada pela dinastia Tudor, no século XVI, com destaque, em matéria criminal, para a Câmara Estrelada (Star Chamber, Chambre des Estoylles ou Camera Stellata), que constituiu terrível ameaça à liberdade dos indivíduos. No âmbito civil, a extensiva atuação do chanceler foi marcada pela invocação de princípios e institutos próprios dos direitos romano e canônico, à recepção dos quais o processo ali empregado não impunha as restrições presentes nos Tribunais de common law. O triunfo da jurisdição de equidade, com decadência da common law, no século XVI, acabou por enfraquecer o direito inglês ante a pesada influência, no período, da família de direitos da Europa continental. Tornou-se real, pois, o perigo de substituição da common law por essa nova versão da equity inspirada em princípios do direito romano-germânico, tal como, três séculos antes, havia ocorrido o abandono das Hundred e County Courts em favor dos Tribunais de Westminster.
Não obstante tal movimentação, em 1616, com o apoio do Parlamento, conseguiram os Tribunais de common law frear o avanço da jurisdição do chanceler, aprovando uma espécie de “entendimento tácito” acerca das atribuições de uns e outros, com base no status quo. A partir de 1621, a Câmara dos Lordes passou a controlar as decisões do Tribunal da Chancelaria e, em 1641, o congresso obteve a queda da Câmara Estrelada. Com o fito de conquistar o respaldo do Parlamento, os chanceleres passaram a julgar de forma cada vez mais objetiva e técnica, utilizando-se de precedentes; os tribunais de common law, nessas condições, continuaram a aceitar as intervenções da equity, na forma da jurisdição direta do monarca ou chanceler.
O direito inglês, pois, desde então, e até os dias atuais, passou a ostentar um caráter nitidamente dualista: a par das regras da common law, de base consuetudinária, produto da construção e consolidação jurisprudencial dos Tribunais Reais do século XIII, subsistem numerosas doutrinas de equity, fruto da jurisdição pessoal do monarca ou chanceler, nos séculos XV e XVI, que se destinaram, precipuamente, a corrigir ou acrescentar institutos jurídicos à common law. A equity, por seu amadurecimento – resultante, inicialmente, da pesada influência do direito romano e do direito canônico, e, posteriormente, da formação histórica de um específico quadro político e social (pressão do Parlamento pela objetivação dos julgamentos, com vista à contenção das arbitrariedades do monarca) – , deixou de constituir mero acervo de decisões fundadas no senso pessoal de justiça do julgador para
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