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A Gota D' água

Por:   •  25/4/2018  •  8.190 Palavras (33 Páginas)  •  368 Visualizações

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Com o jorrar perene de si, a nova criatura foi crescendo ganhando massa, volume, tamanho, até expandir-se em uma gigantesca criatura. E por onde ia passando em seu dilatar, ia criando novas formas de vida.

O seu poder criador era e é em tudo associativo, ela se associa a novas substâncias e a novas criaturas e do encontro de si com o outro gera outros numa producente caminhada que viria a ser definida como o ciclo da água.

Sua capacidade de assimilação e de ambientação era surpreendente, fantástico. Assim ela seguiu ganhando: cores, formas, e sabores, propriedades, identidades distintas a partir de cada associação que fazia em cada lugar que chegava. E foi se fazendo uma só, numa variante diversa de muitas aparências e identidades, simplesmente inodora, incolor e insipida. Por fim completou seu expandir e fazer-se e se fez em tudo e plenamente, água!

Mas isso é o que digo agora, que me fiz gota, que me tornei água e recompus a partir de meu próprio interpretar a experiência que vivenciei e que julgo ter-me propiciado a capacidade de imaginar como foi tudo desde sua gênese e para que compreendas melhor o que tento contar, paro agora essa fala e apresento a vocês a minha experiência, a mágica e inesquecível aventura em que vivi transmutando-me em água viajando todo o ciclo das águas na pele e na identidade de uma gota d’água. Experiência que despertou em mim memórias da criação, histórias de um encontro que se deu em algum lugar do cosmo, nalgum momento do tempo, que bem pode não ser o nosso tempo, o tempo que julgamos conhecer, entender, cronometrar, dominar e utilizar em nossa vã jornada.

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PARTE II

O Desenrolar dos Eventos

O dia corriqueiro da Chapada dos Veadeiros não apresentava nada de anormalidade, aumenos aparentemente. O fato é que tudo parecia padecer da mais patente normalidade. Exceto dentro em mim que no rubor da madrugada chapadeira inspirava os gases úmidos do meu pai Cerrado, que se exibia em constantes turbilhões de ventos. Ventos que se revezavam em impetuosas e suaves brisas a soprar num vai e vem serelepe e descontraído, que me penetrava as mais profundas instâncias gerando inquietações intraduzíveis.

O dia era dez, o mês era agosto e o ano... Sei que era um ano qualquer, que já não sei dizer ao certo, lembro-me apenas que era um ano qualquer do tempo pós-morte do profeta judeu cognominado Jesus Cristo. Ou era anterior a este? O confusão indescritível a de se perder o fio do tempo.

Jesus Cristo! Esse homem fabuloso, que existindo ou não, enquanto agente humano no tempo histórico e participando assim das vicissitudes comuns a todo ser humano foi capaz de existir, persistir e resistir, e fazer-se visível e forte até o presente. Dividindo opiniões, reinos, desejos, sonhos e tudo mais.

Por ironia, por cumprimento da profecia, por determinação de algum brilhante roteirista, o fato é que ele continua sendo causa e motivo de queda e soerguimento para muitos no mundo todo. E num dado ano depois de sua revolução cronológica, eu cá estava sentado na cama e pronto para viver mais um dia de minha vida. Assim fiz, e o fiz levantando muito cedo. Era ainda escuro, o sol ainda rolava na cama dormitando o sono das primeiras horas da madrugada, quando eu já me punha inquieto a sentir o chamado do vento que soprava lá fora.

Fiquei ali sentado na beira da cama displicente a sondar o universo, a perscrutar o silêncio sideral em seu caótico arranjo sinfônico. E assim, sugado pelas minhas inquietações interiores deixei o meu quarto e dirigi-me ao quintal. Sentei-me num banco de madeira debaixo de uma árvore que ali tinha e fiquei a conversar silenciosamente com as últimas estrelas que pontilhavam o céu com seu cintilar intrigante.

Demorei-me a olhar o céu e a conversar comigo mesmo na imensidão negruminosa do tecido celestial. Repentinamente uma estranha sensação foi-se apossando de mim, abraçando-me sutil e vorazmente numa dicotomia antagônica e contraditória, que unia num só feito duas polaridades diversas em uma mesma possibilidade factual.

Um apequenamento forte e vibrante tomava-me gradativamente, como uma descarga elétrica em velocidade lenta de modo a me fazer sentir cada milímetro de minha constituição corpórea sendo tomada e possuída por aquela estranha sensação, por aquela estranha força.

Meus olhos se faziam fixos no céu há tantas horas que me escapava o contabilizar do tempo, e essa posição insistente legou ao meu pescoço um estado de estática, um enrijecimento de tecidos que me imobilizara, dada ao congelamento de minha cervical. Permaneci assim nesta desconfortável posição durante tanto tempo que tal insistência gerou um formigamento e um descontrole, uma incapacidade de exercer qualquer controle sobre meu pescoço.

A força estranha daquela sensação crescia e me tomava por inteiro. Descia pelas nervuras e subcamadas de tecido, iniciando-se na região central, limítrofe entre o finalzinho da nuca e o início do pescoço, definindo por sua ação, as mais íntimas ligações que constituem as duas peças do corpo, quase que as desmembrando uma da outra. Assim pescoço e crânio pareciam estados, divididos num mapa, por grande e caudaloso rio a fazer a fronteira entre um e outro, e cada ligamento entre eles eram um conjunto de vultosas montanhas a forcejar uma cordilheira, indômita, a ligar e dividir dois continentes irmãos. Assim, ali estava eu nessa geografia corpórea a me martirizar no descontrole de minha alucinada desconstrução e estranhamento de mim mesmo, que se operava por imposição de tal força.

Quando me percebi, estava irradiando uma luz branca que provinha não sei de onde e agora estava completamente envolvido naquela sensação, estava completamente a mercê daquela força que me envolveu e possuiu.

Meus olhos ainda assim vivenciavam a estática torporizada do domínio do céu, que ali me fez prisioneiro. Prisioneiro imóvel de olhar cativo. Repentinamente, sem nenhuma explicação razoável, eis que surge na infinidade do céu uma luminosidade que desconheci a princípio.

Enquanto crescia aquela luminosidade toda a periferia do meu campo visual se transmutava em uma escuridão abrupta e densa e gerava o expandir pleno e perfeito daquela luminosidade crescente em meu foco visual. Seja lá o que for vem de muito longe, de uma distância considerável, já que há algum tempo ela vem crescendo em minha direção. Pensava eu enquanto enrijeciam-se os meus músculos, na estática que me dominava. Quando pude então conhecer aquela luminosidade vi que era

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