Divórcio
Por: Lidieisa • 14/12/2017 • 6.834 Palavras (28 Páginas) • 329 Visualizações
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A legislação brasileira instituiu ao final do século XIX o casamento civil, momento no qual o instituto ganhou um novo viés jurídico e passou ser reconhecido como ato jurídico dissociado da religião e do próprio casamento religioso. A consequência mais importante de tal mudança foi a admissão do divórcio, muito embora seus efeitos fossem limitados. Esse novo entendimento perdurou por quase um século, culminando com a aceitação divórcio pleno.
A Igreja e a legislação possuíam o interesse de conservar o casamento, razão pela qual lhe foi atribuído certo caráter indissolúvel, no qual sua continuidade possuía maior destaque do que a felicidade dos cônjuges. Dessa forma, o casamento ganhou nova conceituação, conforme lições de Maria Berenice Dias[2]:
“Casamento tanto significa o ato de celebração como a relação jurídica que dele se origina: a relação matrimonial. O sentido da relação matrimonial melhor se expressa pela noção de comunhão de vidas, ou comunhão de afetos. O ato do casamento cria um vínculo entre os noivos que passam a desfrutar do estado de casados. A plena comunhão de vida é o efeito por excelência do casamento.”
Quanto ao divórcio, muito embora este enfrentasse diversos obstáculos e resistência, devido em grande parte a influencia da religião na população, gerando um pensamento “antidivorcioso”, durante o Império notou-se importantes avanços, como o Decreto 3.069 que passou a permitir três formas de casamento: o católico, não-católico, e misto.
Contudo, apenas após a proclamação da Republica, em 1889, e a consequente ruptura definitiva entre o Estado e a Igreja com o decreto 119-A de 1890, que o casamento passou a ser visto exclusivamente como um ato jurídico. Conforme registra Romualdo Baptista dos Santos[3] “com essa Lei, o casamento passou a ser um ato jurídico dissociado do casamento religioso”.
No mesmo ano, Rui Barbosa redigiu o decreto 181, denominado Lei do matrimônio, o qual em seu artigo 88 previa que o divórcio não dissolvia o vinculo conjugal. Ademais, ainda em 1890, o Decreto 521 tornou obrigatório casamento civil previamente ao religioso.
Posteriormente, com a promulgação do Código Civil de 1916, criou-se o instituto do “desquite”. Este consistia na admissão do rompimento da sociedade conjugal, porem não do seu vínculo, sendo que a sociedade poderia ser restabelecida a qualquer momento, mediante os trâmites legais. Uma das grandes consequências desse instituto foi de caráter social, tendo em vista que os indivíduos desquitados não poderiam contrair novas núpcias, muito embora pudessem criar novos vínculos e famílias, sob a reprovação da sociedade.
Apesar da inserção do instituto supra o caráter indissolúvel do vínculo matrimonial ainda permaneceu em vigência nas legislações considerando que até a Constituição de 1969 o casamento era tido como indissolúvel, em perfeito contrassenso com o desquite instituído.
Foi só com a Lei nº 6.515/77 que o divórcio foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Emenda Constitucional nº 09, sendo que a partir de tal data o vínculo só poderia ser dissolvido em concreto se as partes ingressassem com ação de separação judicial e permanecessem separadas pelo período de três anos. Além disso, para os casos de separação antes da Emenda seria necessário para efetivação do divórcio o lapso de cinco anos de separação de fato entre os cônjuges.
Assim, percebe-se que mesmo com a criação do referido instituto, ainda era necessário que houvesse prévia separação entre o casal (jurídica ou de fato). Tal fato se deve a intenção do legislador, nos casos de retorno da relação conjugal, que houvesse menos burocracia jurídica para o restabelecimento da sociedade, sendo o período para a dissolução definitiva uma oportunidade de reconciliação.
Entretanto, a separação judicial não foi deveras eficaz até porque o Direito passou, nesse campo, a se focar mais no cidadão e suas garantias, possibilitando o livre arbítrio quanto à criação e rompimentos de suas relações pessoais. Foi somente com a Constituição de 1988 que o divórcio foi consagrado como a principal maneira de cessação do vínculo marital, podendo ser concedido de duas formas: após prévia separação judicial por mais de um ano (divórcio indireto) ou comprovada separação por mais de dois anos (divórcio direto) (art. 226, §6º, da CF/88).
Posteriormente, com a Emenda Constitucional nº 66/2010, o divórcio direto, sem os indispensáveis prazos para arguição da ruptura definitiva, foi admitido na legislação brasileira. Tal regramento foi de suma importância, pois resolveu a questão e proporcionou às partes a resolução rápida de seus litígios, cumprindo também com o Princípio da Razoável Duração do Processo.
Posto isso, o desafio do Direito de Família, aliado ao Direito Processual Civil, vem sendo justamente levar ao cidadão uma prestação jurisdicional eficiente, rápida e que possibilite a salvaguarda de seus direitos individuais e, ainda, a proteção da possibilidade individual de escolha, como, no presente caso, a permanência ou não em uma relação conjugal.
1.2. DA SEPARAÇÃO JUDICIAL AO DIVÓRCIO: EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL
Herdeiros de uma colonização religiosa, a evolução normativa para a instituição da ruptura matrimonial foi majoritariamente dispendiosa de tempo e de discussões enérgicas. Isso se dá ao fato de o casamento ter sido introduzido no Brasil pela Igreja Católica, que exercia forte influência em todos os âmbitos da sociedade. É compreensível quando olhamos para trás entender tamanhos estranhamentos e relutâncias à possibilidade de dissolução daquilo que “Deus havia juntado”.
Por isso, “a história do divórcio no Brasil traduz uma árdua e calorosa batalha legislativa e social, decorrente de longa e histórica tradição antidivorcista, sustentada basicamente pela Igreja, que erige o casamento em sacramento” [4].
Durante o Brasil Colônia a normatização do casamento era regida de acordo com a religião oficial portuguesa: o catolicismo, e, portanto, analogicamente pelo Concílio de Trento (1545-1553). Em tais disposições era incabível a ruptura do vínculo matrimonial.
A separação de corpos, uma exceção autorizada pela Igreja, chamada de divortium quoad thorum er habitationem, permitia apenas que o casal deixasse fisicamente de compor um casamento, não obstante, ainda fossem casados perante a religião católica.
A doutrina da Igreja repelia o divórcio de maneira absoluta e proclamava
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