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A operática do mangue

Por:   •  4/10/2018  •  1.444 Palavras (6 Páginas)  •  212 Visualizações

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...

Em silêncio se dá:

em capas de terra negra,

em botinas ou luvas de terra negra

para o pé ou a mão

que mergulha.

Ele tinha algo, então,

da estagnação de um louco.

Algo da estagnação

do hospital, da penitenciária, dos asilos,

da vida suja e abafada

(de roupa suja e abafada)

por onde se veio arrastando.

Algo da estagnação

dos palácios cariados,

comidos

de mofo e erva-de-passarinho.

Algo da estagnação

das árvores obesas

pingando os mil açúcares

das salas de jantar pernambucanas,

por onde se veio arrastando.

(É nelas,

mas de costas para o rio,

que "as grandes famílias espirituais" da cidade

chocam os ovos gordos

de sua prosa.

Na paz redonda das cozinhas,

ei-las a revolver viciosamente

seus caldeirões

de preguiça viscosa).

Aquele rio

saltou alegre em alguma parte?

Foi canção ou fonte

Em alguma parte? ...

Antene-se

Chico Science

É só uma cabeça equilibrada em cima do corpo/

Escutando o som das vitrolas, que vem dos mocambos /

Entulhados à beira do Capibaribe /

Na quarta pior cidade do mundo /

Recife, cidade do mangue /

Incrustada na lama dos manguezais /

Onde estão os homens-caranguejos /

Minha corda costuma sair de andada /

No meio da rua em cima das pontes/

Procurando antenar boas vibrações /

Procurando antenar boa diversão /

Sou, sou, sou, 19 sou mangueboy! /

Recife, cidade do mangue /

Onde a lama é insurreição [...]

É só equilibrar sua cabeça em cima do corpo /

Procure antenar boas vibrações /

Procure antenar boa diversão

2. Paisagem do Capibaribe

Entre a paisagem

o rio fluía

como uma espada de líquido espesso.

Como um cão

humilde e espesso.

Entre a paisagem

(fluía)

de homens plantados na lama;

de casas de lama

plantadas em ilhas

coaguladas na lama;

paisagem de anfíbios

de lama e lama.

Como o rio

aqueles homens

são como cães sem plumas

(um cão sem plumas

é mais

que um cão saqueado;

é mais

que um cão assassinado.

Um cão sem plumas

é quando uma árvore sem voz.

É quando de um pássaro

suas raízes no ar.

É quando a alguma coisa

roem tão fundo

até o que não tem).

O rio sabia

daqueles homens sem plumas.

Sabia

de suas barbas expostas,

de seu doloroso cabelo

de camarão e estopa.

Ele sabia também

dos grandes galpões da beira dos cais

(onde tudo

é uma imensa porta

sem portas)

escancarados

aos horizontes que cheiram a gasolina.

E sabia

da magra cidade de rolha,

onde homens ossudos,

onde pontes, sobrados ossudos

(vão todos

vestidos de brim)

secam

até sua mais funda caliça.

Mas ele conhecia melhor

os homens sem pluma.

Estes

secam

ainda mais além

de sua caliça extrema;

ainda mais além

de sua palha;

mais além

da palha de seu chapéu;

...

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