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O Que Aprendi com Olguita

Por:   •  3/11/2022  •  Pesquisas Acadêmicas  •  2.085 Palavras (9 Páginas)  •  799 Visualizações

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O que aprendi com Olguita

Em 30 de março de 1962, Olguita Peixoto de Carvalho nascida no distrito rural de Senhora da Glória, no município de Corinto (MG) em 1943, obteve sua emancipação perante o juízo da Comarca de Curvelo.

Corinto e Curvelo eram municípios muito próximos, pertencentes ao Vale do Alto São Francisco, conhecidos pelo catolicismo, fortes tradições festeiras, ocorrências de forós e folias, mas também por disputas constantes econômicas com vistas a serem cidades de destaque na extração de pedrarias diversas.

Durante muitas décadas Corinto esteve subordinada a Curvelo, daí entendermos a dinâmica de trânsito de pessoas entre os dois municípios.

Já o distrito de nascimento de Olguita, chamado Nossa Senhora da Glória até o ano de 1943 e a partir de então, apenas denominado “Senhora da Glória”; teve grande parte de seu desenvolvimento relacionado a condição de ponto de passagem, entreposto e região de fornecimento de alimentos e pousada para viajantes que se dirigiam as cidades de Corinto, Curvelo e posteriormente Santo Hipólito. Região habitada por lavradores e tropeiros.

Região de forte tradição escravista, possui também conhecidas histórias de quando já nas primeiras décadas do século XX abrigava hospedarias onde ingleses, franceses e outros viajantes pernoitavam antes de seguir viagem pelo Rio das Velhas.

Assim, o distrito de Senhora da Glória durante algum tempo serviu de elo entre os municípios de Curvelo, Corinto e Santo Hipólito, de forma que muitas pessoas oriundas daqueles lugares – sobretudo de Santo Hipólito – se deslocavam até Senhora da Glória a cavalo e de lá tomavam a balsa que os conduziam aos seus destinos – principalmente, o outro lado do rio.

[pic 1] 

Igreja Centenária em Senhora da Gloria

Na época do pedido judicial de emancipação protocolado por Olguita, estava em vigor o Código Civil de 1916, pelo qual a maior idade só era obtida ao completar-se 21 anos. Para ela, que contava com 20 anos naquela data, ainda faltavam 20 meses de espera e assim, decidiu não aguardar pelo transcurso do tempo habitual e juridicamente aceito, ajuizando processo para requerer sua emancipação.

Poderíamos perguntar: por que não esperar mais um ano para que ocorresse a emancipação jurídica originária obtida pelo alcance da maior idade civil?

Na certidão consta que existiam autos judiciais que expunham ao juiz de Curvelo certos fatos que justificavam o pedido. Não temos documentos que permitem verificar quais fossem esses fatos, mas pela teor da decisão do juízo concluímos que foram suficientes para gerar convencimento ao magistrado João Pedro Mortzsohn sobre a necessidade de deferir a emancipação de Olguita.

Quais atos da vida civil somente permitidos aos maiores e 21 anos Olguita desejava exercer? Casar-se ? iniciar negócio próprio ? dirigir ?

Se compulsarmos os demais documentos, logo percebemos que Olguita nasceu em 06 de novembro de 1943, tendo sido registrada pela própria mãe Soledade Peixoto Carvalho, como ‘filha natural’; o que significava filha havida fora de uma relação conjugal juridicamente formalizada e, ainda, sem referências ao nome do pai. O cartório lhe reconhece como sendo de pele branca, embora os documentos indiquem que os avos maternos eram reconhecidos como ‘morenos’ e originários da Bahia.

Os contatos entre a região de nascimento de Olguita (Senhora da Glória, Santo Hipólito, Curvelo e Corinto) e Juazeiro na Bahia através do Rio das Velha, é um fenômeno antigo e data ainda dos séculos XVIII e XIX. Contam os historiadores que por décadas carregou-se ribeirinhos, tecidos, madeira, produção agrícola e pedras preciosas entre Santo Hipólito (e seus distritos, entre eles Senhora da Glória) e o interior da Bahia, chegando ao São Francisco.

Por muitos anos, as gaiolas como eram chamadas, singralam os dois rios que mediavam aquelas paragens (o Rio das velhas e o Grande Chico), transformando-os em estradas naturais, as quais eventualmente trouxeram os antepassados de Olguita (avós maternos) da Bahia para Minas Gerais.

De fato, nos parece que Olguita foi criada pela mãe e pela avó materna até certo momento, tendo ficado órfã antes de 1962; sem existirem outras referências masculinas familiares que possamos identificar nos documentos.

Várias perdas atravessam a vida de Olguita, a mãe que faleceu antes dela ter 20 anos de idade, o avô, que nem chegou a conhecer e, ao que tudo indica a avó materna que também morreu antes da jovem alcançar a maior idade, probabilidade reforçada pela evidência de que Olguita ingressou com o pedido de emancipação em próprio nome, sem representante legal vinculado à família. Talvez lhe tenha sido designado um tutor legal e/ou a jovem vivesse sob responsabilidade de parentes próximos e conhecidos, arranjo muito comum realizado para que menores órfãs permanecessem entre seus parentes e pessoas de seu círculo de convivência.

Entre os antepassados de Olguita percebemos que a família tinha raízes na Bahia, pois seu avô Manoel Martins Lopes era bahiano, moreno e lavrador, filho também de um lavrador e de uma dona de casa, ambos oriundos da Bahia. Assim como tantos outros baianos migrou para Minas Gerais e morreu em 1935 no distrito de Nossa Senhora da Glória-Curvelo-MG por falta de atendimento médico, deixando viúva a avó de Olguita, a senhora Jordilina Peixoto de Carvalho, também baiana de nascimento, sem cor ou raça declarada.

No atestado de óbito de Manoel é interessante perceber que embora seja referido seu estado civil como casado, não nos parece que Jordilina trouxesse consigo o sinal mais emblemático das uniões conjugais civis, qual fosse portar o sobrenome do marido, uma prática imposta pelo Código Civil de 1916 vigente no período. Enquanto ele tinha por insígnia “Martins Lopes”, ela -Jordilina’ se declarava “Peixoto de Carvalho”.

Tal detalhe nos leva a inferir que o arranjo de conjugalidade mantido entre os avós maternos de Olguita e que repercutiu sobre Soledade (a mãe) e a própria jovem, não se tratava de casamento civil, mas eventualmente, comunhão de corpos -também chamada por alguns segmentos sociais da época de ‘amasiamento’- .

Observe-se que as relações de amasiamento e mesmo, outras formas de conjugalidade eram habituais na primeira metade do século XX, especialmente entre grupos sociais de trabalhadores pobres e sem grandes recursos financeiros, trabalhadores do campo e moradores de regiões longínquas.

Vários aspectos contribuíam para essa diversidade de arranjos e redes de afetividade, desde as dificuldades em arcar com os custos monetários da união civil, distância de cartórios e juízes de paz e até mesmo, irregularidade do atendimento paroquial nas vilas, distritos e vilarejos existentes nas áreas interioranas do Brasil.

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