A operática do mangue
Por: Rodrigo.Claudino • 4/10/2018 • 1.444 Palavras (6 Páginas) • 255 Visualizações
...
Em silêncio se dá:
em capas de terra negra,
em botinas ou luvas de terra negra
para o pé ou a mão
que mergulha.
Ele tinha algo, então,
da estagnação de um louco.
Algo da estagnação
do hospital, da penitenciária, dos asilos,
da vida suja e abafada
(de roupa suja e abafada)
por onde se veio arrastando.
Algo da estagnação
dos palácios cariados,
comidos
de mofo e erva-de-passarinho.
Algo da estagnação
das árvores obesas
pingando os mil açúcares
das salas de jantar pernambucanas,
por onde se veio arrastando.
(É nelas,
mas de costas para o rio,
que "as grandes famílias espirituais" da cidade
chocam os ovos gordos
de sua prosa.
Na paz redonda das cozinhas,
ei-las a revolver viciosamente
seus caldeirões
de preguiça viscosa).
Aquele rio
saltou alegre em alguma parte?
Foi canção ou fonte
Em alguma parte? ...
Antene-se
Chico Science
É só uma cabeça equilibrada em cima do corpo/
Escutando o som das vitrolas, que vem dos mocambos /
Entulhados à beira do Capibaribe /
Na quarta pior cidade do mundo /
Recife, cidade do mangue /
Incrustada na lama dos manguezais /
Onde estão os homens-caranguejos /
Minha corda costuma sair de andada /
No meio da rua em cima das pontes/
Procurando antenar boas vibrações /
Procurando antenar boa diversão /
Sou, sou, sou, 19 sou mangueboy! /
Recife, cidade do mangue /
Onde a lama é insurreição [...]
É só equilibrar sua cabeça em cima do corpo /
Procure antenar boas vibrações /
Procure antenar boa diversão
2. Paisagem do Capibaribe
Entre a paisagem
o rio fluía
como uma espada de líquido espesso.
Como um cão
humilde e espesso.
Entre a paisagem
(fluía)
de homens plantados na lama;
de casas de lama
plantadas em ilhas
coaguladas na lama;
paisagem de anfíbios
de lama e lama.
Como o rio
aqueles homens
são como cães sem plumas
(um cão sem plumas
é mais
que um cão saqueado;
é mais
que um cão assassinado.
Um cão sem plumas
é quando uma árvore sem voz.
É quando de um pássaro
suas raízes no ar.
É quando a alguma coisa
roem tão fundo
até o que não tem).
O rio sabia
daqueles homens sem plumas.
Sabia
de suas barbas expostas,
de seu doloroso cabelo
de camarão e estopa.
Ele sabia também
dos grandes galpões da beira dos cais
(onde tudo
é uma imensa porta
sem portas)
escancarados
aos horizontes que cheiram a gasolina.
E sabia
da magra cidade de rolha,
onde homens ossudos,
onde pontes, sobrados ossudos
(vão todos
vestidos de brim)
secam
até sua mais funda caliça.
Mas ele conhecia melhor
os homens sem pluma.
Estes
secam
ainda mais além
de sua caliça extrema;
ainda mais além
de sua palha;
mais além
da palha de seu chapéu;
...