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RELAÇÕES DE CONSUMO, CONTRATOS DE ADESÃO E ARBITRAGEM

Por:   •  6/12/2018  •  9.538 Palavras (39 Páginas)  •  323 Visualizações

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A Lei 8.078/1990 é de grande importância, também, por ter sido uma das primeiras e mais inovadoras legislações promulgadas na vigência da Constituição Federal de 1988.6 O Código de Defesa do Consumidor criou um diploma legislativo específico para as relações de consumo, além de antecipar muitas das mudanças a que seria submetido o direito brasileiro, inserindo no direito positivo, pela primeira vez, o princípio da boa-fé objetiva (arts. 4º, III, e 51, III), cada vez mais aplicado às relações jurídicas, além de outros importantes institutos jurídicos, como a desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da relação de consumo (art. 28) e os contratos de adesão (art. 54).

Em seus arts. 2º e 3º, o Código de Defesa do Consumidor traz, respectivamente, as definições de consumidor e fornecedor, entre os quais se estabelecem as relações de consumo reguladas pela aludida lei. O art. 3º do Código de Defesa do Consumidor7 deixa claro que qualquer prestador de serviço ou comerciante pode ser parte de uma relação de consumo e que eventuais ressalvas serão expressamente previstas na legislação.

Um dos principais debates envolvendo o Código de Defesa do Consumidor se deu logo no início de sua vigência em torno da abrangência do conceito de consumidor, o que definiria também o próprio escopo de aplicação da norma. Inicialmente, a orientação do Superior Tribunal de Justiça tendia pela adoção da teoria maximalista,8 pela qual qualquer consumidor seria alcançado pela norma, independente de eventual uso profissional dos bens ou serviços.9

O Superior Tribunal de Justiça, contudo, reviu tal orientação, privilegiando a teoria finalista, pela qual se excluem intermediários e revendedores do âmbito de proteção da norma.10 Posteriormente, o STJ mitigou tal entendimento,11 determinando que intermediários e revendedores podem valer-se do Código de Defesa do Consumidor, se “demonstrada, in concreto, a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica”.12

Como observam os redatores do anteprojeto que deu origem ao diploma,13 o Código de Defesa do Consumidor foi inspirado em grande parte por normas estrangeiras que haviam sido promulgadas pouco antes por diversos países. Em muitos deles, a solução que foi dada para resolver as disputas consumeristas foi a criação de tribunais arbitrais especializados, como forma de permitir um julgamento célere e eficiente das causas.14

Naquela época, a arbitragem desempenhava um papel de pouca importância no Brasil, sobretudo em razão da falta de reconhecimento de força cogente à cláusula compromissória e a necessidade de homologação judicial da sentença arbitral,15 o que tornava a arbitragem indesejável e, por vezes, impraticável.16

Diante do grande número de demandas que surgiram na vigência do Código de Defesa do Consumidor, foram criados os chamados juizados especiais, regidos pela Lei 9.099/1995, os quais, na prática, concentram a maior parte das disputas de natureza consumerista, por geralmente serem de valor inferior ao limite permitido (art. 3º, I).

Apesar de tal prática ser totalmente incipiente no Brasil naquela época, o Código de Defesa do Consumidor foi uma das primeiras normas a expressamente fazer referência aos “mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo”, cujo fomento foi incluído expressamente entre os princípios da Política Nacional das Relações de Consumo.17 Além disso, ao tratar das cláusulas abusivas, o Código de Defesa do Consumidor veda a “utilização compulsória de arbitragem”, permitindo, a contrario sensu, a possibilidade de submissão de litígios consumeristas à via arbitral (art. 51, VII).18 De modo coerente com a Política Nacional das Relações de Consumo, a própria Lei dos Juizados Especiais prevê expressamente a adoção de “juízo arbitral” “de comum acordo entre as partes”, quando “não obtida a conciliação” (Lei 9.099/1995, art. 24).

Como se vê, mesmo num período em que a arbitragem não era comumente utilizada em nosso país sequer para disputas empresariais de alta complexidade, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei dos Juizados Especiais, certamente influenciados pelas bem-sucedidas experiências internacionais, inovaram ao estabelecer a possibilidade do consumidor se valer da arbitragem para a defesa dos seus interesses.

3.A LEI DE ARBITRAGEM E OS CONTRATOS DE ADESÃO

Promulgada seis anos depois do Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Arbitragem é um marco decisivo na utilização desta forma alternativa de resolução de disputas no Brasil. Especialmente após a sua constitucionalidade ter sido confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2001,19 a arbitragem passou a ser utilizada como uma forma de resolução de litígios envolvendo direitos patrimoniais disponíveis por empresas e particulares que não desejavam submeter suas disputas ao Poder Judiciário.

Entre as novidades que inspiraram a adoção da arbitragem podem ser destacadas a força cogente da cláusula compromissória, garantindo, na prática, a eficácia da convenção das partes (arts. 3º, 4º e 7º), a irrecorribilidade das sentenças arbitrais (art. 18) e a equiparação da sentença arbitral à judicial, inclusive permitindo sua execução na forma de título executivo judicial (art. 31).

Para o presente estudo, é relevante notar que a Lei de Arbitragem disciplinou, especificamente, a possibilidade de estipulação de cláusula compromissória em contratos de adesão (art. 4º, § 2º):

§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.

Os contratos de adesão são caracterizados pela existência de condições gerais de contratação preestabelecidas pelo policitante, às quais o oblato tem a possibilidade de aderir, ou não. Neste tipo de contrato, o oblato não ostenta poder de barganha que lhe permita substancialmente modificar os termos do contrato.20

Inegavelmente, o policitante teria margem para promover abusos na redação de cláusulas compromissórias, como a estipulação, no final do documento, de cláusula compromissória prevendo a resolução de disputas com sede em país estrangeiro ou a nomeação de um número de árbitros que inviabilizasse a arbitragem para o consumidor do ponto de vista financeiro. Sendo a consensualidade da essência da estipulação da convenção de arbitragem,21 seria incompatível com a sua natureza

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